5.11.09

A corrida pela riqueza do petróleo

Valor Econômico
Maria Clara R. M. do Prado

Tecnologia apropriada, não há. Nem "know-how". Nem financiamento. Mas o debate pelos recursos que supostamente advirão da exploração do petróleo do pré-sal tem sido cada vez mais acirrado entre os políticos. Isso, diga-se, sem que tenha havido até aqui qualquer projeção em termos de cenários sobre quanto, afinal, poderá representar aquela tão almejada riqueza.

Todos, governos federal, estaduais e municipais, movimentam-se para assegurar hoje polpudas fatias na repartição dos "royalties" do petróleo. Estados como o de Goiás, que não tem uma única gota de petróleo, alimentam fortes pretensões a uma lasca do "novo eldorado brasileiro".

Querem garantir seus cheques pré-datados, adiantando hoje o comprometimento de recursos cujo volume só será conhecido dentro de 15 a 20 anos. A nenhum político ocorre, no entanto, engajar-se em uma estratégia maior para o país a partir da identificação dos malefícios e dos benefícios a serem enfrentados quando o pré-sal começar a jorrar. A farra dos gastos públicos, por exemplo, é forte candidata à lista dos malefícios. Até agora não se detalharam os limites para o uso do dinheiro do pré-sal, apenas se sabe que o tal fundo social a ser criado vai abrigar todo o tipo de prioridade possível e imaginável. Mais parece um saco sem fundo que, ademais de desajustes nas contas públicas, pode trazer sérias consequências para a política cambial do país.

Aspectos outros, de ordem mais global, também passam batido. Não se levou em conta, por exemplo, o impacto sobre o comércio de petróleo que os avanços desenvolvidos na descoberta e produção de energias alternativas terão. O produto, é bom que se lembre, representou a grande riqueza mineral do mundo entre o final do século XIX e o início do século XX. Teve seu auge entre as duas guerras mundiais, quando ninguém ainda se preocupava com POLUIÇÃO e muito menos com os níveis de emissão de CO2. Não é, definitivamente, um produto do século XXI.

Países que nos tempos mais áureos eram grandes produtores transformaram-se em importadores de petróleo. O México já trilha esse passo, cujo exemplo mais evidente é o dos Estados Unidos, onde, não à toa, altas somas de recursos têm sido destinadas à busca de outras fontes de energia menos dependentes, mais baratas e, claro, menos poluidoras.

Outro ponto de aparente desconhecimento dos políticos é o alto custo da prospecção e exploração de petróleo nos novos campos, a cerca de 7 mil metros de profundidade, com uma camada espessa de sal a vencer pelo caminho, e, ainda, a uma distância de cerca de 300 quilômetros da costa brasileira. São condições geológicas peculiares, longe de estarem dominadas pela indústria de equipamentos no setor.

Calcula-se, por baixo, que só ao preço mínimo de US$ 45 o barril daria para viabilizar economicamente a produção de petróleo da bacia de Santos. Se daqui a dez anos, digamos, o petróleo for cotado pelo preço praticado ontem na bolsa de Nova York, quando o barril passou dos US$ 80, haveria uma diferença, grosso modo, de cerca de US$ 35 para repartir entre os entes federativos. Isso, supondo que não haja maiores custos financeiros e nem outros tipos de despesas imprevistas.

Não convém esquecer que o barril de petróleo chegou a cerca de US$ 10 em meados da década de 90. Se isso voltar a acontecer, a produção do pré-sal terá de ficar debaixo da camada de sal, a menos que artifícios com o manejo do dinheiro público sejam acionados. Sim, porque periga o governo federal optar por valer-se dos recursos recolhidos nas épocas de preço alto para subsidiar a Petrobras, cobrindo desse modo os altos custos de produção do pré-sal. Nesse caso, não de todo improvável, a lista de prioridades do tal fundo social teria destino menos nobre, deixando na ilusão aqueles que acreditam na preocupação do governo com as futuras gerações, como é o caso do fundo da Noruega. Fato é que não há regra impedindo o uso de recursos acumulados com a venda do petróleo em operações de socorro à Petrobras nos períodos de vacas magras.

Sem falar na omissão sobre o destino da Agência Nacional de Petróleo (ANP), que funciona hoje como o órgão regulador e fiscalizador do setor.

Para onde se olha, as dúvidas abundam. Isso, a despeito mesmo da proximidade da votação dos vários projetos envolvendo o entorno do pré-sal nos plenários do Congresso Nacional.

A questão da partilha dos recursos, a única que parece preocupar o executivo federal, os governadores e prefeitos, é um nó difícil de desatar porque não vai contentar a todos. Tem por base uma disputa inerente ao federalismo brasileiro, nunca de fato resolvida. Esse sistema de distribuição de poder entre várias instâncias de governo ganha aqui contornos muito específicos que datam da época do reinado, quando a Coroa portuguesa se arvorava única detentora de todas as riquezas minerais descobertas e exploradas por aqui.

Ainda hoje o governo federal, independente de quem esteja no poder, age a partir do princípio de que à União o máximo, apesar da maioria das competências com serviços como saúde e educação ser de responsabilidade de estados e municípios. Estes, por sua vez, acostumaram-se a andar com o pires na mão pelos corredores de Brasília, uma tarefa meio inglória, mas que pode compensar quando o uso do dinheiro não é regiamente fiscalizado.

Se o Estado do Rio de Janeiro fosse a Província de Alberta, responsável por mais de 70% da produção de gás e petróleo do Canadá, o governador Sérgio Cabral estaria com certeza rindo para as paredes. Aquela província tem o seu próprio fundo - Alberta Heritage Savings Trust Fund, com patrimônio calculado em 14,3 bilhões de dólares canadenses (US$ 13,1875 bilhões) na posição de 30 de junho deste ano - e aplica os recursos em vários tipos de investimento, tendo por objetivo o bem-estar da população local. Aliás, os albertanos têm a renda per capita mais alta do Canadá, de 42.030 dólares canadenses, correspondentes a US$ 39.572 por pessoa, em média. O fundo é administrado por um comitê local cujas reuniões são realizadas em diversos pontos da província, com a participação da população. A pergunta que se impõe, então, é a seguinte: o que faria o governador Cabral com tanto dinheiro?


Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro "A Real História do Real". Escreve quinzenalmente, às quintas-feiras. E-mail: mclaraprado@ig.com.br

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