Para especialistas, a tendência é o real continuar se valorizando
Ronaldo D’Ercole, Fabiana Ribeiro e Martha Beck
SÃO PAULO, RIO e BRASÍLIA. A declaração do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que o dólar a R$ 2,60 seria ideal para a competitividade das empresas brasileiras, foi recebida pelos analistas como um arroubo, algo impraticável nas atuais condições macroeconômicas do país.
Segundo Sidnei Nehme, diretor da NGO Corretora, a afirmação teve pouco ou nenhum efeito sobre as cotações da moeda pelo simples fato de o Banco Central (BC) não dispor de meios de interferir nessa medida sobre o mercado de câmbio.
— Essa seria uma forma de expressar como poderíamos concorrer com a China, que mantém o câmbio fixo — disse Nehme sobre a cotação citada pelo ministro. — Mas existem parâmetros que o mercado define (para a cotação do dólar) sem a intervenção do governo, que se limita (via BC) a esterilizar o fluxo excedente de moeda que entra no país.
Na terça-feira, Mantega citou um estudo do banco americano Goldman Sachs que aponta o dólar a R$ 2,60 como ponto de equilíbrio para o país. Já o secretário de Política Econômica da pasta, Nelson Barbosa, estimara o valor em R$ 2,10 há duas semanas.
Para Felipe Salto, da Tendências, embora sem efeito sobre as operações, a declaração dava margem a uma sinalização de que novas medidas viriam, como acabou acontecendo: — Mas a tendência é de apreciação (do real), e o governo não deveria adotar medidas excepcionais.
O regime flutuante deve ser preservado.
Economática: alta do dólar este trimestre cortaria lucros
Simulação feita pela Economática, a partir da avaliação dos balanços de um grupo de 79 empresas de capital aberto (amostra que inclui exportadores e muitas companhias com negócios voltados exclusivamente ao mercado interno), revela que uma hipotética valorização do dólar até o patamar mencionado por Mantega neste trimestre faria com que as despesas financeiras líquidas dessas empresas consumissem, na média, mais da metade de seus lucros operacionais.
— O efeito da desvalorização cambial sempre é mais forte no endividamento que sobre as receitas, mas esse efeito é pontual e só acontece uma vez. Nos trimestres seguintes os exportadores se beneficiariam se a cotação do dólar se mantivesse alta — observou Fernando Exel, presidente da Economática.
No terceiro trimestre de 2008, quando a moeda americana subiu 20% ante o real, o estudo da consultoria apurou que as despesas financeiras do mesmo grupo de empresas “mandaram para o ralo” 39,4% dos seus lucros operacionais. Já no mesmo trimestre deste ano, com a depreciação do dólar, essa mordida foi de apenas 5,2%.
Para os analistas, diante da pouca margem de manobra que o governo dispõe para interferir no câmbio no contexto atual, em que o dólar se enfraquece em todo o mundo, a tendência é que o setor produtivo, os exportadores à frente, aumentem a pressão por medidas estruturais, que reduzam os custos de produção no país e desonerem seus produtos.
— Quando volta sua atenção apenas para o câmbio, o governo está mirando no problema errado — disse Homero Guizzo, economista da LCA Consultores, citando a estrutura tributária, as deficiências de infraestrutura e mesmo os spreads dos bancos brasileiros.
— Mas com as eleições, essas questões (carga tributária, desonerações e infraestrutura) são agora desafio de médio prazo, que deve entrar na agenda do próximo governo — disse Salto, da Tendências.
AEB fala em dólar a R$ 2,10, e CNI, a R$ 2,30
Segundo Luís Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), há várias fórmulas para calcular uma taxa de equilíbrio para o câmbio. Para ele, porém, a questão é: é possível chegar a essa taxa? — Em vez de ficar fazendo discussões sobre o dólar, o governo deveria facilitar a competitividade da economia brasileira, com investimentos em infraestrutura e logística, por exemplo — afirmou.
Lima acrescenta que o dólar baixo prejudica 15% da economia brasileira — os exportadores.
Os outros 85% podem até se favorecer, acrescentou: — Nem todos são punidos. Os setores menos produtivos, como o de calçados que compete com a China, são os mais atingidos.
Na avaliação de José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), o dólar a R$ 2,60 agradaria naturalmente a todos os exportadores. Mas ressaltou que uma cotação de R$ 2,10 poderia agradar a 80% do setor. E acrescentou que o câmbio afetou os balanços das empresas no terceiro trimestre: — Porém, esse efeito foi mascarado pelo pós-crise.
Houve um aumento de demanda mundial e a atividade ficou mais aquecida. Ou seja: o resultado ficou mascarado.
Já o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, disse ontem que a taxa de câmbio mínima para que os produtos brasileiros tenham competitividade é de R$ 2,30: — Há uma discussão sobre o câmbio de equilíbrio, mas isso é algo técnico. O que se pode dizer é que o câmbio atual não remunera o exportador. Para a indústria ter ganhos de competitividade, acho que não veria um câmbio inferior a R$ 2,30.
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