26.11.09

Recuperação à vista

26 de novembro de 2009

Valor Economico (SP)

Enquanto serviço e comércio largam à frente na retomada do lucro, a indústria retoma mais vagarosamente o nível do ano passado.

Por João Villaverde, de São Paulo

O desempenho operacional das empresas de capital aberto no quarto trimestre deste ano deverá voltar ao patamar em que estava antes do acirramento da crise mundial, em setembro de 2008. Segundo estudo realizado pela Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) com 222 companhias abertas não financeiras, do ponto de vista estritamente do resultado da atividade das empresas, a relação lucro sobre receita líquida recuou de 21,7% no terceiro trimestre de 2008 para 14% no segundo trimestre deste ano, por causa da crise. Mas a relação já melhorou no período de julho a setembro, subindo para 17,5%.

Essa recuperação indica, "efetivamente", sugere o levantamento, que a retomada do crescimento da economia brasileira está "melhorando a situação das empresas". Há, no entanto, disparidade entre setores. Enquanto serviços e comércio largam à frente nos investimentos e na recuperação do lucro, a indústria retoma mais vagarosamente o nível do ano passado.

As 138 indústrias ouvidas pela Fundap viram a receita líquida mergulhar dos R$ 178,2 bilhões alcançados no terceiro trimestre de 2008 para R$ 136,3 bilhões no segundo trimestre deste ano. A indústria ainda não recuperou o nível de receitas do pré-crise. Segundo a pesquisa, no último trimestre a receita líquida do setor foi de R$ 148,5 bilhões - 16,6% menor que em igual período de 2008.

Na mesma comparação, as empresas de comércio e serviços ampliaram as margens. As receitas de vendas das 71 companhias do ramo de serviços cresceram de R$ 62,7 bilhões no pré-crise para R$ 69,2 bilhões no último trimestre. Da mesma forma, as 13 empresas de comércio presentes no estudo tiveram receitas 20,5% maiores entre julho e setembro sobre igual período do ano passado, para R$ 14,1 bilhões (veja quadro acima).

Para Geraldo Biasoto, diretor executivo da Fundap, as empresas estão terminando o processo de recomposição econômica. "Fecharemos o ano com uma situação muito próxima à que tínhamos antes da crise." Segundo o economista, o principal fator para a recuperação está na melhora da condição financeira das companhias, com a valorização do real neste ano. As dívidas das empresas - não apenas de curto prazo, mas sim todo o estoque de endividamento - subiram muito nos últimos meses do ano passado com o repique da taxa de câmbio.

Além disso, afirma, as operações com derivativos cambiais efetuadas nos mercados futuros também causaram danos aos balanços. "Se não fossem os problemas com derivativos, poderíamos ter antecipado esse retorno ao nível pré-crise mais cedo. É uma situação complexa, porque, com o real naquele patamar que estava antes das turbulências mundiais, as indústrias não sobreviveriam, pois sofreriam com exportações menos competitivas e, ao mesmo tempo, com importados mais baratos", avalia.

O dólar chegou a bater R$ 1,55 em agosto do ano passado, antes de subir a R$ 2,62 em dezembro, fechando 2008 a R$ 2,33 - uma variação total de 50,3% em três meses. A elevação da cotação torna o endividamento externo mais elevado, uma vez que é preciso mais reais para pagar o mesmo montante em dólares.

Gustavo Gazaneo, gestor de renda fixa e variável da SLW Asset Management, avalia que o nível de endividamento externo não era elevado e, por isso, o repique no câmbio não seria suficiente para alterar a trajetória das companhias. "A crise pela qual o Brasil passou foi mais tranquila que as anteriores justamente porque as empresas estavam bem posicionadas em termos de dívida. Antigamente, as empresas tinham mais empréstimos contraídos no exterior", afirma. O que influenciou a derrocada dos mercados, segundo Gazaneo, foi a grande exposição de empresas a derivativos. "Eram poucas empresas com operações enormes, e não o contrário. Por isso, foi mais fácil contornar", avalia.

Para Biasoto, da Fundap, o quarto trimestre deste ano será "muito melhor" que o mesmo período do ano passado por conta da despesa financeira. "Até agora nós temos visto a melhoria produtiva, o lado real das empresas. Neste trimestre, além disso, temos uma situação cambial amplamente favorável ao rolamento do passivo externo das companhias. A comparação com o ano passado será arrasadora."

O problema, avalia o diretor da Fundap, está no longo prazo. Há perda de participação da indústria no cômputo geral do PIB, um processo que, segundo ele, foi intensificado após a crise. "Em geral, a indústria comanda o processo e tudo que acontece ao lado vai a reboque. Hoje, porém, parece que serviços têm certa independência da indústria. Há um processo claro de desindustrialização", diz. A partir de 2010, acredita, haverá concentração ainda maior em serviços.

Para Gazaneo, o país deixa a crise com alguns consensos consolidados. "Temos um enorme mercado doméstico, um setor de serviços muito forte e uma indústria especializada na exportação de commodities agrícolas e metálicas." Segundo ele, o principal fator para a retomada das empresas está na força do mercado interno, impulsionado pelas medidas do governo. "O consumo interno e a atitude do governo federal aceleraram a retomada das companhias, o que aumentou os fluxos para a bolsa, criando um movimento virtuoso que desemboca em 2010", afirma.

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