Valor Economico (SP)
Câmbio: Bancos estimam que BC comprará no máximo US$ 20 bilhões, ante US$ 38 bi até agora
Cristiane Perini Lucchesi, de São Paulo
Os analistas de bancos são unânimes em apostar que o Brasil vai continuar a ter sobras de dólares em 2010 e que as reservas internacionais (o caixa do país em moeda estrangeira) vão continuar a crescer. Isso apesar das previsões de um déficit maior em conta corrente (que mede o comércio de bens e serviços) e de mais recursos externos necessários para financiá-lo.
Neste ano, o Banco Central já comprou US$ 25,572 bilhões no mercado interno de câmbio até o dia 4 de dezembro, segundo o último dado disponível. Absorveu parte importante do fluxo positivo de dólares ao país. Para 2010, as estimativas de bancos ouvidos pelo Valor são de que a autoridade monetária vai continuar a adquirir a moeda americana, mas em valores menores do que isso: de US$ 15 bilhões a, no máximo, US$ 20 bilhões.
As reservas internacionais, onde são contabilizados esses dólares adquiridos, devem crescer menos do que os US$ 38,3 bilhões até agora neste ano. Devem passar dos US$ 240 bilhões no final de 2009 para US$ 270 bilhões em 2010, com aproximadamente US$ 10 bilhões representando a própria valorização dos ativos nos quais o dinheiro das reservas é aplicado pelo Banco Central.
Nas estimativas feitas pelo Bradesco, foram consideradas as reservas no conceito de liquidez internacional, que inclui aplicações que podem ser recuperadas em prazos mais longos. Um outro conceito é o de caixa, que inclui os dólares prontamente disponíveis para intervir no câmbio. "O déficit em conta corrente crescente do Brasil não preocupa o mercado, pois há amplo apetite internacional em financiá-lo", diz Octavio de Barros, diretor de pesquisa econômica do Bradesco. Afinal, lembra ele, esse déficit está crescendo justamente por causa do diferencial entre o crescimento do mundo e do Brasil, que será um dos maiores da história no ano que vem. Ele calcula que o PIB brasileiro terá expansão de 6,1% em 2010. "O Brasil mudou, passou bem pela crise e agora é grau de investimento pelas três principais agências de classificação de risco de crédito", comenta.
Esse déficit em conta corrente não será pequeno: deverá atingir cerca de US$ 64 bilhões, estima ele, "um dos maiores do mundo". Isso significa aproximadamente 3% do Produto Interno Bruto (PIB), uma deterioração considerável em relação ao 1,45% do PIB deste ano. As projeções do Bradesco são superiores à média do mercado, que, na pesquisa "Focus" feita pelo Banco Central, no boletim do dia 11, eram de déficit em transações correntes de US$ 40 bilhões para 2010, na mediana, mesmo assim maior do que os US$ 18 bilhões estimados para este ano.
No entanto, segundo Octavio de Barros, mesmo esses US$ 64 bilhões calculados por ele não preocupam, pois o investimento externo direto poderá atingir US$ 45 bilhões, financiando parte significativa do total de saídas líquidas pela conta de transações correntes. Outra fonte de recursos externos para o país serão as próprias captações externas de empresas e bancos.
Após o susto do final do ano passado, com a crise financeira, quando o congelamento no crédito externo levou a taxas de rolagem da dívida externa (relação entre o total de amortizações e o total de captações) a 22% em novembro, um dos recordes históricos de baixa, o Brasil se saiu bem na crise e as captações voltaram a acontecer. Em outubro, essa taxa de rolagem da dívida chegou a 223%. Ou seja, o total captado foi mais do que duas vezes maior do que o total de vencimentos de dívida.
Para Octavio de Barros, as taxas de rolagem da dívida externa em 2010 deverão se manter sempre acima de 100%. "O interesse por ativos brasileiros será grande, inclusive por falta de outras alternativas de investimento de mais baixo risco e taxas de retorno atrativas", diz. Na sua visão, o ingresso de dinheiro de portfólio para o mercado de ações e de renda fixa vai continuar a ser significativo, embora o seu total seja difícil de prever. Neste ano, até outubro, os ingressos líquidos desses investimentos em carteira foram de US$ 40 bilhões, segundo os dados do balanço de pagamentos divulgado pelo BC.
O investimento externo em ações e renda fixa vai depender da estratégia de enxugamento da liquidez dos mercados por parte dos bancos centrais dos países ricos. As incertezas com as eleições presidenciais no país não deverão interromper o fluxo internacional ao país, mas podem trazer mais volatilidade, avalia Carlos Gribel, sócio-diretor da Queluz Securities. Para Jean Marc Etlin, responsável pelo banco de investimento do Itaú BBA, o mercado poderá ser mais volátil em 2010, pois grande parte do otimismo com o país já está nos preços dos ativos financeiros hoje. Daniel Gleizer, diretor do Itaú BBA e ex-diretor do Banco Central, acredita que a estratégia de retirada de liquidez dos mercados por parte do Fed, banco central americano, e do Banco Central Europeu será lenta e gradual. Ele não acredita em tensão decorrente desse movimento. "Os mercados financeiros ainda andam muito frágeis", afirma. "Estive no Fed recentemente e estou certo de que eles vão agir com muita cautela, retirando os estímulos aos poucos", afirma. Segundo ele, os BCs vão testar a demanda por linhas e, se ela persistir, basta manter a liquidez.
Roberto Padovani, estrategista-chefe do WestLB, afirma que o câmbio flexível permite um ajuste no valor do dólar de acordo com o déficit de conta corrente. "Isso evita que a trajetória do déficit se torne explosiva e faz com que ele se torne mais financiável", diz. Para ele, para manter o apetite externo voltado para o país, no entanto, é fundamental que as políticas fiscal e monetária continuem a ser conduzidas de maneira responsável, mesmo em um ano eleitoral.
Padovani vê também uma sobra menor de recursos externos. Ele acredita em investimentos externos diretos de US$ 27 bilhões, menores do que outros analistas, por causa de toda a destruição de riqueza no mundo com a crise. Mas calcula que as reservas internacionais poderão atingir US$ 260 bilhões no final do ano que vem.
Zeina Latif, economista-chefe do ING, considera que um déficit em conta corrente maior é "inevitável" dado um crescimento da demanda interna brasileira de 7,2% estimado por ela e de retração de 2,5% na demanda externa. "Quanto maior esse diferencial, maior o déficit comercial e de serviços, pois as importações crescem e as exportações se atrofiam", explica. Ela também vê sobra de dólares em 2010.
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