O Globo (RJ)
Para ex-presidente do BC, superaquecimento forçará alta de juros em 2010
ENTREVISTA
Gustavo Franco
Ex-presidente do Banco Central (BC), Gustavo Franco chama de “gastança pró-cíclica de intuito eleitoral” as medidas do governo para incentivar a economia. Anteontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou uma injeção de mais R$ 80 bilhões para o BNDES.
Segundo Franco, o governo está superaquecendo o país e isso vai forçar um aumento da taxa de juros no ano que vem. Em entrevista ao Blog MiriamLeitão.com, o hoje sócio da Rio Bravo Investimentos afirma que as previsões de um crescimento próximo de zero do PIB em 2009 significam um ritmo muito forte da economia no quatro trimestre, forte a ponto de ser insustentável em 2010. Ontem, no Rio, o expresidente do BC lançou o livro “Shakespeare e a economia”.
O livro reúne dois ensaios, escritos em épocas distintas pelo economista americano Henry W. Farnam (1931) e por Gustavo Franco (texto atual), mostrando como as finanças e os aspectos econômicos e empresariais estavam presentes na obra e na vida do dramaturgo inglês.
Bruno Villas Bôas
O GLOBO: O mercado começa a revisar as perspectivas de crescimento da economia para uma taxa ligeiramente negativa.
O que isso significa para a economia? GUSTAVO FRANCO: Acho que o resultado está dentro das margens de previsão: os analistas esperavam um crescimento levemente positivo ou negativo para o ano fechado, ou seja, algo próximo de zero, o que é um excelente resultado, por paradoxal que pareça.
É preciso lembrar que este crescimento é média de quatro trimestres de 2008, contra média de quatro trimestres de 2009, e que o “peso” da crise é muito grande.
Terminar em zero significa que os três últimos trimestres de 2009 serão muito fortes, como têm sido, fortes a ponto de se dizer que é um ritmo insustentável para um ou dois trimestres adiante de 2010.
O PIB do terceiro trimestre pode piorar o cenário da economia em 2010? FRANCO: O que está fazendo piorar a perspectiva para o próximo ano é a insistência injustificada em medidas de incentivo enganosamente descritas como “anti-cíclicas”. Já ultrapassamos este assunto, o que temos agora, em bom português, é uma gastança prócíclica de intuito eleitoral, cujo impacto será o de superaquecer a economia e forçar a taxa de juros para cima.
O dado do PIB em si pouco alterou, então, há perspectiva de aumento de juros no próximo ano? FRANCO: O anúncio alterou muito pouco a expectativa de que os juros vão subir. Quanto mais
gasto, mais juro. Tentar demonstrar, na prática, que a teoria econômica não funciona, ou que o Brasil é diferente, fazendo a nação de cobaia, não vai nos levar a lugar algum, exceto a um passado de planos heterodoxos de triste memória.
Com esse PIB, o senhor teme que o governo se sinta compelido a injetar ainda mais recursos na economia? FRANCO: Seria péssimo, principalmente porque nos retira de um caminho virtuoso e sustentável de política macroeconômica.
Não há cabimento em imaginar que se possa levar muito adiante um processo de “substituição” do gasto privado pelo público, ou seja, reduzir o gasto privado via juros e aumentar o gasto público para compensar.
Esta substituição perversa pode ser uma herança maldita, esta sim, verdadeiramente maldita, que este governo estará deixando para o próximo.
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