Valor Economico (SP)
Internacional: Um ano depois, plano do Tesouro ainda apresenta furos e mantém fragilidades na economia
David Wessel, The Wall Street Journal
Um ano atrás, em 10 de fevereiro, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, anunciou a abordagem do novo governo para socorrer os bancos. O discurso foi um fracasso.
"Se fosse um filme, não duraria muito nos cinemas", disse na época o jornal "Philadelphia Inquirer" sobre o homem e seu plano. A Média Industrial Dow Jones caiu quase 400 pontos. Um colunista da Reuters previu que os EUA iriam "nacionalizar fatias consideráveis de seu sistema bancário" até o segundo semestre.
Um ano depois, ainda há muito o que criticar. A economia melhorou, mas não está saudável. A maioria dos grandes bancos está mais forte, mas não tem concedido muito crédito; os bancos menores continuam sofrendo.
Mas a maioria dos grandes bancos americanos já devolveu o dinheiro do contribuinte que eles engoliram, e os maiores já captaram US$ 112 bilhões emitindo nova ações para investidores. Livres da nacionalização e longe de quebrar, os bancos passaram a ser criticados por faturar tanto. E a atual ameaça à estabilidade financeira mundial não vem de Wall Street, mas de Atenas.
"Foi uma estabilização financeira extraordinariamente bem-sucedida", disse Geithner numa entrevista ao "The Wall Street Journal", soando muito mais confiante do que há um ano. "Estamos muito à frente de vários outros países. Estamos fazendo isso a um custo muito menor para o contribuinte e muito mais rapidamente do que qualquer um esperava. Penso muito em como poderíamos ter explicado melhor ao público o que fizemos, ou fazer de um jeito que parecesse mais justo. Ainda há muitos danos causados pela crise, mas estamos muito melhores agora pelo que fizemos e como o fizemos."
A crítica mais ferrenha não é que o plano Obama-Geithner não tenha conseguido estabilizar os bancos; em vez disso, é que o plano foi generoso demais e funcionou tão bem que os bancos sobreviventes estão atrapalhando a reforma das leis do sistema financeiro para evitar a repetição da crise. "A reforma foi adiada para quando os bancos mais poderosos tenham crescido ainda mais, voltado ao lucro e recuperado o poder político", escreveu o economista Simon Johnson, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, num livro que está para ser lançado.
Geithner, como ex-presidente do Fed de Nova York, foi um dos primeiros a responder à crise e merece crédito pelo que deu certo antes de ele se tornar secretário do Tesouro. Também é responsável pelo que não funcionou. Três grandes medidas surgiram depois da posse de Barack Obama e da promoção de Geithner.
Uma delas foi que o Fed, que já tinha baixado os juros de curto prazo praticamente a zero, começou a atacar sozinho o problema das hipotecas e dos juros de longo prazo com a aquisição de US$ 1,75 trilhão em hipotecas e outros títulos longos. A segunda foi que o Congresso aprovou um pacote de US$ 787 bilhões em cortes de impostos e aumento nos gastos, do qual um terço já foi usado. Embora continue o debate sobre o modelo e a eficácia do estímulo fiscal, a maioria dos economistas concorda que "atirar com o canhão fiscal", como define o próprio Geithner, deixou a economia mais forte.
A terceira medida foi o "plano de estabilidade financeira" de Geithner. Ele substituiu o plano natimorto do antecessor, pelo qual o governo compraria ativos podres dos bancos e ofereceria empréstimos camaradas para quem os comprasse. Poucos morderam a isca, embora o Tesouro argumente que o mero anúncio do programa já valorizou esses ativos.
Geithner propôs aumentar uma iniciativa já existente do Fed e do Tesouro para reabrir o mercado de renda fixa em que empréstimos automotivos, de cartão de crédito e outros são transformados em títulos de investimento. A iniciativa não chegou a atingir o US$ 1 trilhão que o secretário tinha mencionado, mas ajudou a reabrir um mercado de crédito importante que andava moribundo.
A iniciativa de Geithner mais polêmica de todas foi impor aos bancos testes de estresse criados pelo governo para determinar quanto capital precisariam para sobreviver a uma recessão severa, e depois prometer (ou ameaçar) que os contribuintes teriam de despejar ainda mais dinheiro nos bancos - a não ser que estes conseguissem capital do setor privado.
A esquerda inteira criticou, dizendo que a proposta era um parco substituto para a nacionalização dos bancos. A direita a acusou de ser uma prévia da nacionalização. Outros disseram que iria disfarçar a gravidade dos problemas dos bancos ou deixá-los enfraquecidos demais para voltar a emprestar. Havia propostas alternativas que poderiam talvez ter funcionado melhor, quem sabe deixado os bancos mais fortalecidos. Mas um ano depois até os críticos reconhecem que a abordagem para atrair mais capital privado aos bancos funcionou melhor que o esperado.
Pelo menos por ora, o socorro aos bancos vai custar aos contribuintes menos do que se temia. O Gabinete Orçamentário do Congresso calcula que o programa de alívio de ativos problemáticos, o Tarp, vai acabar custando "apenas" US$ 99 bilhões, ante a estimativa inicial de US$ 356 bilhões.
Então por que Geithner não tem recebido aplausos? Um grande motivo é que seus esforços tornaram mais fácil para grandes empresas que podem emitir títulos tomarem empréstimos, mas não para as famílias ou as pequenas empresas que dependem dos bancos. "Se você é uma grande empresa que precisa do mercado de títulos de dívida, o Fed e o Tesouro o salvaram", diz Charles Calomiris, da Universidade Columbia, de Nova York. "Para a outra economia, que é o verdadeiro motor da criação de empregos, os bancos não estão emprestando e seu capital continua muito escasso."
Outro motivo é que para muitos americanos tudo isso simplesmente não parece justo. Os bancos voltaram, os bônus de fim ano estão sendo pagos e a bolsa se recuperou da baixa a que chegou em 2009. Mas os bancos que eram grandes demais para quebrar cresceram ainda mais, praticamente ninguém foi preso, o desemprego continua em dolorosos 9,7% e cerca de 15% dos mutuários da casa própria devem mais que o valor do imóvel. Ouvir alguém dizer que poderia ter sido pior não é muito reconfortante.
Um comentário:
Enquanto o centro das atenções da economia for à manutenção da concentração de riquezas, dificilmente perceberemos qualquer retorno real a sociedade. Investir trilhões no salvamento de bancos que deveriam ser os mestres em manutenção de suas contas é no mínimo questionável. Esperar uma devolução real a sociedade parece ser uma real utopia.
Talvez no dia em que os governos se preocuparem com a sustentabilidade social, criação e manutenção de emprego/renda e não com a manutenção de riquezas, tenhamos um sistema econômico sustentável e resguardado de novos ataques. Não questionar o atual sistema é no mínimo se resguardar de um possível acerto em temor de um erro imaginável, mas não irreversível.
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