5.2.10

Dúvidas sobre o grau do aquecimento

05 de fevereiro de 2010

Valor Economico (SP)

Claudia Safatle


Não está claro, para o Comitê de Política Monetária (Copom) e menos ainda para os economistas do Ministério da Fazenda, a dimensão das pressões sobre a inflação no segundo semestre de 2010 e de 2011. É para esse horizonte que o Banco Central olha e o cenário ainda traz incertezas. A demanda cresce. Mas é cedo para se ter segurança sobre como estará se comportando lá por setembro, outubro, e se ela vai se descolar do aumento da oferta, gerando pressões sobre os índices de preços - situação que demandaria um aumento da taxa Selic nos próximos dois a três meses.

No cronograma do BC, há decisões importantes a tomar antes ou simultaneamente aos juros. Todas as medidas de redução das alíquotas dos depósitos compulsórios editadas em 2008, no auge da crise global, têm prazo de vigência até 31 de março.

Foram liberados cerca de R$ 120 bilhões para dar liquidez ao sistema financeiro doméstico, travado em meio ao pânico dos mercados internacionais. Boa parte desse montante foi dirigida aos grandes bancos para que comprassem as carteiras de créditos dos pequenos e médios bancos, àquela altura em total descompasso de ativos e passivos.

Encerrado o prazo, porém, é praticamente impossível o BC recolher esse volume de dinheiro aos seus cofres, porque são operações com prazo de vencimento a cumprir e que, obviamente, serão respeitados. Portanto, uma coisa é certa: o compulsório não voltará aos níveis anteriores a 2008 tão cedo. Talvez nunca. Mas uma parcela, mesmo pequena, pode ser restabelecida.

Ainda que a política de compulsórios seja administrada pelo BC para regular a liquidez no mercado, mais do que para substituir a elevação dos juros nos seus efeitos sobre a demanda agregada da economia, o fato é que injetando mais ou menos liquidez no sistema financeiro, maior ou menor será a oferta de crédito. E o crédito é um dos importantes motores do consumo.

O presidente do BC, Henrique Meirelles, deixou claro em entrevista recente que "não existirá uma volta automática ao nível anterior" e apontou o foco do BC quando manuseia esse instrumento: "Não devemos ver o compulsório como mecanismo de política monetária, mas de liquidez." Ele próprio, no entanto, lembrou que uma eventual elevação desses "pode ter efeito de política monetária".

A ata do Copom, divulgada ontem, aponta grande preocupação com o balanço de riscos da inflação e ressalta que, nesse ambiente, é preciso estar "vigilante para evitar que a maior incerteza detectada em horizontes mais curtos se propague para horizontes mais longos". Mas é cuidadosa ao sinalizar com a elevação da Selic, que o mercado aguarda para março ou abril.

A visão da Fazenda, se não diverge frontalmente dessa análise, traz nuances relevantes. Lá, avalia-se que houve forte aceleração (um "overshooting") no momento da retomada do nível de atividade, mas já há indícios de uma certa acomodação que levará a economia para um patamar compatível com crescimento de 5% a 5,5% do PIB este ano.

Os dados relativos ao último trimestre de 2009 já mostrariam uma moderação, identificam essas fontes. "O Natal não foi a maravilha que alguns esperavam, o emprego foi bom, mas não um espetáculo, e a indústria, nos dois meses finais, teve queda", comentou um graduado economista do governo. Ele sustenta que não há superaquecimento.

Somam-se a isso outros fatores que poderão ajudar sensivelmente na acomodação do PIB a um crescimento de 1% a 1,2% ao trimestre, citam essas fontes: não haverá mais concessão de incentivos fiscais, o que por si só já representa um impulso a menos ao crescimento, os incentivos vigentes começam a ser retirados, não há mais queda da taxa de juros (ao contrário, agora o que se espera é um aumento), a meta de superávit fiscal voltou para 3,3% do PIB, o que reduz o consumo do governo. Outro dado divulgado esta semana, portanto após a última reunião do Copom, relativo ao nível de utilização da capacidade instalada (Nuci), mostra que este, em janeiro, permaneceu estável em relação a dezembro. A ata do comitê fala em "sensível redução da margem de ociosidade da indústria" nos últimos meses que não se confirmou

É fato que a contribuição da apreciação do câmbio para o controle da inflação também acabou, mas a desvalorização do real tem como um de seus efeitos acalmar o ímpeto da retomada.

A Fazenda vê a inflação aumentando, mas acredita que esse é um fenômeno localizado - pelos aumentos sazonais de preços (tarifas de ônibus e material escolar) e por quebras de produção decorrentes do excesso de chuvas (álcool e produtos in natura). Nada que se sustente muito além do primeiro trimestre.

Alguns indicadores divulgados nesta semana contribuem com essa visão, como a queda de 0,3% da produção industrial em dezembro, segundo mês de baixa depois de dez meses de crescimento, e a inflação de 1,34% (medida pelo IPC da Fipe de janeiro), aquém da previsão de 1,40%

O Copom também entende que os aumentos de preços, por ora, são localizados, mas teme que eles possam se disseminar pelo resto da economia se o aumento da demanda se intensificar, colocando a meta de 4,5% de IPCA para este ano em risco.

O Copom avisou que "o gato subiu no telhado", mas não deixou pistas suficientes para se concluir que a retomada do aperto monetário será na próxima reunião, dias 16 e 17 de março.

O Banco Central, por sua vez, já demonstrou que não conta com um aperto nos compulsórios - o que poderá haver é uma elevação muito gradual e moderada - como linha auxiliar do rigor monetário.

Mas faltam indicadores mais precisos sobre a dimensão do aquecimento da demanda e sobre o aumento dos investimentos. Depois da ata de ontem, o mercado jogou suas apostar para o aumento dos juros na reunião de abril. E o Copom adiantou que prestará atenção redobrada nas expectativas de inflação colhidas junto ao mercado. Uma simbiose que exige cuidados para que um não alimente o outro.

Claudia Safatle é diretora de redação adjunta

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