Estado de Minas (MG)
NOVO CÓDIGO FLORESTAL
Comissão especial da Câmara dos Deputados percorre o país com a difícil missão de discutir mudanças na lei que garantam desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente
Juliana Cipriani
Pela primeira vez em 45 anos desde sua última versão, o Código Florestal Brasileiro tem uma chance concreta de ser reformulado. Depois de um longo trabalho para superar o radicalismo de ambientalistas e ruralistas, os deputados federais estão tentando formular uma proposta intermediária que ponha fim de vez ao embate. O motivo é simples. A legislação atual caducou e não tem servido ao chamado desenvolvimento sustentável, ou seja, como conciliar preservação do meio ambiente com crescimento econômico e geração de renda e emprego.
Uma das principais mudanças, neste sentido, deve ser a regionalização das normas ambientais, fazendo valer as especificidades locais no novo código. Tema bastante em evidência, o desenvolvimento sustentável consiste em conciliar os meios produtivos com a preservação dos recursos naturais, de modo a garantir o atendimento de gerações atuais e futuras. Pelo menos esse é o discurso atual de ambientalistas e ruralistas no trabalho de formatar uma proposta consensual que avança em pelo menos seis pontos e, de certo modo, flexibiliza o texto rígido, conforme ficou constatado em duas audiências públicas realizadas na semana passada em Belo Horizonte e Uberaba, no Triângulo Mineiro, pela comissão especial da Câmara dos Deputados que elabora o novo código e que já passou por outros 10 estados e o Distrito Federal. A comissão foi criada para analisar seis propostas em discussão na Câmara.
A mudança na legislação se tornou mais urgente depois de um decreto presidencial passar a sujeitar seu descumprimento a multas de até R$ 500 por dia. Os parlamentares pretendem fazer valer a determinação da Constituição Federal de que as normas devem ser definidas pela União e pelos estados. Conforme vem sendo discutido na comissão especial do código, a legislação federal traria normas e conceitos mais gerais e caberia às assembleias legislativas definições mais técnicas, como as dimensões das áreas consideradas de proteção ambiental. Outra mudança seria no conceito de reserva legal, hoje feito no percentual de 20% do tamanho da propriedade. São áreas por propriedade rural que devem ser conservadas. Os parlamentares caminham para retirar a propriedade como parâmetro e estabelecer as áreas dentro dos biomas.
As chamadas áreas de preservação permanente (APPs) são outro foco. Nelas deve ser mantida a vegetação original, não sendo permitida a exploração direta. O atual Código Florestal tem limites fixos, obrigando a preservação de no mínimo 30 metros ao longo de cursos d’água, de 50 metros de raio ao longo de nascentes e da terça parte superior do topo de morro. A ideia dos parlamentares é tratar apenas da conceituação e estabelecer mínimos e máximos, de modo que fique para os estados a definição final do que deve ser preservado.
O estabelecimento de áreas consolidadas, ou seja, a manutenção do que já foi devastado em desacordo com a legislação, é outro ponto de discussão entre ambientalistas e ruralistas. Os primeiros defendem a recuperação das áreas e os segundos temem perder seus meios produtivos. Os deputados também trabalham na ampliação de um zoneamento ecológico econômico para nortear as áreas e seus respectivos números. Os parlamentares também querem introduzir incentivos financeiros para os produtores que preservarem o meio ambiente.
Decisões regionalizadas
Mudanças devem ser votadas em abril na Câmara dos Deputados, que aprovará regras gerais e deixará para os estados definirem detalhes que obedecem às peculiaridades de cada região
A expectativa da comissão especial da Câmara dos Deputados que discute o novo Código Florestal é de que, depois de uma série de audiências públicas realizadas nos estados, seja possível chegar a uma versão final em março para votar o texto em plenário em abril. Os parlamentares colhem propostas de todos os setores interessados até este mês. Enquanto buscam o entendimento, representantes de ambientalistas e ruralistas no Congresso Nacional rechaçam a divisão e afirmam que é preciso conciliar os interesses de produção e preservação.
Para o relator do projeto na comissão, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), o conflito entre ambientalistas e ruralistas é artificial e deve ser superado. “Essa ideia serve a interesses de corporação e não do país e da população, que espera da legislação a preocupação com o meio ambiente e com a produção. O país não pode renunciar à defesa do meio ambiente nem da agricultura, seria impensável”, disse. Segundo Rebelo, desta vez as chances de o código ser votado são maiores pelo fato de haver uma disposição de incluir todos os envolvidos na discussão. “Ficamos 11 anos para votar uma lei de biossegurança e conseguimos”, disse. Para Rebelo, o mais aconselhável é tratar de normas gerais no código e deixar os pormenores para estudos de órgãos técnicos estaduais.
O relator do projeto defende a criação de uma regra intermediária para o uso consolidado das áreas, ficando para os estados a definição do que deve ser recuperado ou não. “Haverá casos em que a área consolidada deve regredir e ser protegida, em outros não. Tudo deve ter uma definição flexível e técnica para não criar um ambiente de insegurança. Tem que ter um prazo de transição para que as pessoas se adaptem e tenham uma alternativa, porque em muitas propriedades é a sobrevivência das pessoas que está em curso”, disse Rebelo.
O mesmo diz o presidente da comissão, deputado Moacir Micheletto (PMDB), que prega o equilíbrio na nova legislação. “Essa convergência se dá no debate.” Para ele, é urgente a reformulação do código. “Ele já está arcaico e não condiz mais com a realidade”, disse. Segundo o presidente, há consenso na manutenção das áreas de uso consolidado.
O deputado federal Paulo Piau (PMDB-MG), mais ligado ao setor produtivo, rejeita a pecha de ruralista. “Essa é uma briga improdutiva para o país, me considero dos dois lados. A Constituição prevê um meio ambiente saudável, mas também alimento para todos.” Ele defende, entre outros pontos, o pagamento por serviços ambientais e a redefinição das áreas de preservação e reserva legal conforme parâmetros estaduais. “Desenvolvimento sustentável é a solução. É produzir com respeito ao meio ambiente, não tem outro caminho”, disse.
O colega de bancada Carlos Melles (DEM) também não quer ser chamado de ambientalista e está afinado com as preocupações de Piau. Ele considera fundamental a descentralização das normas levando em conta o aspecto federativo do país. “A União tem que ter uma definição macro do que tem de ser reserva permanente, com limite mínimo e máximo. O resto fica para os estados”, disse. Também é a favor das reservas legais sem o conceito de propriedade. O equilíbrio, para ele, é a solução para a votação do código. “Defender a natureza é uma coisa que vem de dentro da gente. É uma coisa muito séria para ficar nessa guerra de ambientalista contra agricultor. Ele próprio (agricultor) deveria ser o primeiro a preservar, pois tira seu sustento de lá”, avalia Melles, que também defende os incentivos para preservação.
LEGISLAÇÃO ATUAL É IMPRATICÁVEL
O professor do Departamento de Engenharia Florestal, Política e Legislação Ambiental da Universidade Federal de Viçosa, Sebastião Renato Valverde, considera a legislação atual impraticável. Segundo ele, por ser anterior à própria Constituição de 1988, a norma não é recepcionada. Seria preciso deixar para o plano federal somente uma lei geral, ficando o detalhamento para os estados. “Se for cumprir essa lei, ou saem todos do meio rural e vira tudo floresta ou se faz vista grossa. Existe um conflito e pensamentos exagerados de que o meio ambiente está muito degradado”, afirma.
Valverde avalia que muitos produtores estão perdendo terra e chegando a ser presos por infrações. Na visão do professor, a culpa dessa diferença entre lei e realidade é em parte do poder público, que por meio de programas incentivou os produtores a ocupar as margens de rio. O especialista entende que a definição da áreas de preservação deve ficar a cargo dos estados. “Ninguém sabe qual seria o tamanho ideal, cabe a quem está lá embaixo decidir”, disse.
O QUE ESTÁ EM DISCUSSÃO
ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP)
Destina-se à preservação da cobertura vegetal nativa, ou seja, áreas que não podem ter exploração direta. Hoje é preciso conservar um mínimo de 30 metros de largura ao longo dos cursos d’água, 50 metros de raio ao longo de nascentes e a terça parte superior do topo de morro.
A proposta é fixar o mínimo e o máximo e deixar as definições para os estados, desde que esses valores sejam respeitados.
ÁREAS CONSOLIDADAS
Cria-se o conceito de manutenção das áreas que já estão sendo usadas há muito tempo. Naquelas em que houver necessidade deve haver recuperação. A comissão estabeleceria critérios de transição.
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
Hoje a lei federal é ampla e detalhada, impondo limites uniformes a todos os estados.
A proposta é deixar a regra geral para a União e para os estados as leis com detalhamento técnico e definições mais específicas
RESERVA LEGAL
Área definida por propriedade rural onde a vegetação original deve ser conservada, vedado o corte raso. O limite hoje é de 20%.
A proposta é definir a área sem a delimitar pelo conceito de propriedade.
ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO
União e estados fazem um estudo localizando os biomas e as áreas que têm importância ecológica e o que pode ser liberado para produção. Os municípios também fariam o zoneamento tanto das propriedades agrícolas e das áreas urbanas.
PAGAMENTO DO SERVIÇO AMBIENTAL
Será criado um fundo para conceder incentivos aos produtores rurais que adotarem medidas para preservar o meio ambiente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário