Folha de S.Paulo (SP)
ANTONIO DELFIM NETTO
A confusão gerada pela crise do sistema financeiro dos EUA e a sua recidiva na Eurolândia sugere um aperfeiçoamento da organização dos "mercados", o que limitará também a ação do Estado no sistema financeiro.
Creio que hoje haja um razoável consenso sobre as seguintes proposições:
1º) não há, à vista, um sistema econômico mais conveniente do que o que se organiza em torno dos mercados. Ele compatibiliza a eficácia produtiva com a liberdade de iniciativa e é capaz de evoluir na direção de corrigir seus inconvenientes: a) a sua tendência ínsita à flutuação e b) o alto nível de desigualdade de renda;
2º) essa forma de organização exige um Estado constitucionalmente forte para garantir as condições de seu funcionamento: a) a garantia da propriedade privada; b) a garantia de que cada agente pode apropriar-se dos benefícios de sua imaginação e trabalho; c) a garantia do cumprimento dos contratos;
3º) o papel desse Estado é a) produzir bens públicos, como segurança e acesso à justiça e a estabilidade do valor da moeda, que não podem ser providos pelos mercados; b) aumentar a igualdade de oportunidades; c) reforçar o "espírito animal" dos empresários e estimular o uso das inovações; d) premiar a poupança privada e estimular os investimentos públicos na construção de uma rede logística que integre o espaço geográfico (energia, transporte, portos etc.); e) estimular a criação de um sistema de financiamento (para si mesmo e para o setor privado) hígido, estável e sujeito a adequada competição.
Finalmernte, 4º) que ele mesmo, o Estado, tem de ser sujeito a limitações constitucionais que: 1º) estabeleçam uma convivência amigável com o setor privado; 2º) o obriguem a ser eficiente: realizar sua missão de prestador de serviços de qualidade aos cidadãos com o menor nível de tributos e endividamento.
A grande lição que a crise iniciada nos EUA -e a recidiva na Eurolândia- permite lembrar é que a garantia da estabilidade social e econômica exige pouco mais do que isso:
1º) o controle fiscal do Estado deve ser elevado para o nível constitucional. Ali se fixarão os níveis máximos do deficit fiscal e do endividamento em relação ao PIB. A violação eventual desses limites, exigida em condições de crise, precisará de justificativa aprovada no Congresso;
2º) o sistema financeiro deve ser sujeito a uma cuidadosa, ampla e segura regulamentação, que, sem inibir o uso de "inovações", eliminará os riscos inerentes à construção de "redes" com instituições "grandes demais para falir" e punirá fortemente o "risco de conduta" ("moral hazard") dos agentes ativos do sistema.
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ANTONIO DELFIM NETTO
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