Cinco países altamente endividados estão no centro da maior turbulência econômica na região desde a Segunda Guerra
A crise da dívida que afeta a Europa tem reflexos não só no continente, mas em várias outras partes do mundo, inclusive no Brasil, em um cenário internacional onde as relações econômicas e financeiras estão cada vez mais interligadas.
Mas as fragilidades causadas pelos altos déficits,
que ocorrem quando um país gasta mais do que arrecada, são mais
latentes e concentradas em cinco países da região que adotou o euro como
moeda única: Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha,
batizados de “Piigs”, uma sigla depreciativa crida com a junção das
letras iniciais do nome de cada nação, em inglês, e cuja sonoridade se
assemelha com a palavra “porcos”, no mesmo idioma.
O alto risco de um calote nesses países é considerado pelos especialistas como a maior ameaça à economia da União Europeia desde a Segunda Guerra Mundial. Esse cenário de medo e incertezas tem levado a indagações sobre a real viabilidade futura da união monetária, com reflexos nas principais bolsas de valores do mundo, que sofrem com as constantes quedas e fortes oscilações ao sabor dos acontecimentos de curto prazo.
Foto: AP Photo/Philippe Wojazer, Pool
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O presidente francês Nicolas Sarkozy e a
chanceler alemã Angela Merkel: falta de medidas concretas ampliam
desconfiança sobre os países da zona do euro
O motivo de tanta tensão é a dificuldade que alguns países vêm
enfrentando para conseguir empréstimos e refinanciar suas dívidas
públicas. Essa capacidade de se refinanciar acontece porque existe um
grande desequilíbrio fiscal, com a arrecadação dos governos em queda e
os gastos em alta.
A União Europeia, sob a liderança da Alemanha, a maior economia do bloco, tem buscado saídas para a crise, mas a falta de medidas concretas e de grande impacto tem contribuído ainda mais com clima de incerteza.
O resultado dessa falta de ação na vida das pessoas comuns pode ser
percebida com a queda de vários governos na Europa. A crise econômica já
derrubou dez chefes de governo
desde 2009, sendo que o último a cair foi o do primeiro-ministro
espanhol José Luis Zapatero derrotado nas eleições parlamentares de 20
de novembro.
Eleitores insatisfeitos com as respostas dadas pelos governos para a
crise foram às urnas e mudaram o comando de países como Irlanda,
Portugal e Espanha. Na Grécia e na Itália, os premiês, também sob forte
pressão, renunciaram a seus mandatos.
O sentimento de reprovação às soluções propostas para debelar a crise
também pode ser notado nas manifestações de movimentos como o "Indignados",
que tem protestado em diversas cidades da Europa contra as distorções
geradas por um mundo financeiro com instrumentos de fiscalização
comprovadamente falhos em muitos casos.
Veja a seguir alguns pontos para entender a crise que afeta a Europa e os “Piigs”
Foto: PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP
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Funcionários públicos protestam contra os cortes no orçamento anunciados pelo governo
Portugal
Portugal enfrenta uma taxa de desemprego superior a 12% e uma economia em contração. O recém empossado primeiro-ministro Pedro Passos Coelho
terá que implantar reformas fiscais e sociais amplas e urgentes,
incluindo mais medidas de austeridade para restaurar a saúde fiscal do
país e encorajar o crescimento econômico.
Os termos do acordo de ajuda financeira acertado com a União Europeia
e credores incluem aumento dos impostos, congelamento de aposentadorias
e cortes nos benefícios dos funcionários. O novo governo terá que
implementar o pacote econômico que prevê uma ajuda financeira de 78
bilhões de euros ao país.
Diferentemente de outros países, não houve qualquer estouro de bolha
em Portugal. O que houve foi um processo gradual de perda de
competitividade, com o aumento dos salários e redução das tarifas de
exportações de baixo valor da Ásia para a Europa.
Com o baixo crescimento econômico, o governo tem tido dificuldade
para obter a arrecadação necessária para arcar com os gastos públicos
crescentes, em parte por causa de uma sucessão de projetos, incluindo
melhorias no setor de transportes, com o objetivo de aumentar a
competitividade portuguesa.
Quando estourou a crise financeira global, em setembro de 2008,
Portugal passou a enfrentar problemas com sua dívida pública, que ficou
cada vez mais difícil de ser financiada.
Irlanda
A República da Irlanda
foi uma das maiores casos de sucesso recente na Europa, nos anos
pré-crise. Tanto que devido a esse fato o país foi apelidado de "Tigre
Celta". Mas esse crescimento econômico era dependente de uma frágil
bolha imobiliária que ruiu em 2008. O país foi do boom ao desastre
financeiro em um período de apenas três anos.
O preço dos imóveis caiu rapidamente cerca de 60% e os empréstimos de
risco, concedidos principalmente para as construtoras, se acumularam
nas carteiras dos principais bancos. Para ajudar as principais instituições financeiras e evitar um colapso em
todo o sistema foi necessário um aporte emergencial de 45 bilhões de
euros, mais de R$ 100 bilhões, o que aprofundou ainda mais o já elevado
déficit no orçamento do governo irlandês.
As finanças do país também estão sendo afetadas pela queda na
arrecadação de impostos. À medida que a economia se retrai, cresce o
desemprego e aumentam os temores de que o país esteja à beira de uma
volta à recessão.
O país já adotou uma série de programas de austeridade desde o início
da crise da dívida, mas o governo terá de fazer muito mais nos próximos
anos para cumprir as difíceis metas estabelecidas pela União Europeia
(UE), pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu
(BCE), que são credores do país.
Em 7 de novembro, a União Europeia fez uma emissão de bônus dez
anos no valor de 3 bilhões de euros destinados ao programa de
assistência financeira à Irlanda. A operação foi realizada por meio do
Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), com vencimento dos
títulos em 4 de fevereiro de 2022 e rentabilidade de 3,6%.
Foto: EFE
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Manifestantes depredam agência bancária na Itália em protesto contra crise que afeta o país
Itália
O agravamento da situação da economia italiana
tem colocado em dúvida as soluções propostas até agora pela União
Europeia para a crise. A Itália possui uma dívida de 1,9 trilhão de
euros, muito maior que a de Grécia, Irlanda e Portugal juntos.
A quebra da Itália,
terceira maior economia do bloco, que representa cerca de 20% da União
Europeia, poderia abalar seriamente a estrutura do euro. Para blindar a
Itália, os líderes europeus decidiram em outubro ampliar o Fundo de Estabilidade Financeira (FEEF)
para 1 trilhão de euros, mediante um mecanismo que estimule a compra da
dívida dos países mais frágeis, oferecendo uma garantia de 20% sobre
perdas eventuais.
Diante da gravidade da situação, o presidente da Itália, Giorgio
Napolitano, nomeou em 13 de novembro o economista e ex-comissário da
União Europeia Mario Monti como primeiro-ministro do país, em substituição a Silvio Berlusconi,
que ocupou o cargo por cerca de dez anos, e passava por uma crise de
credibilidade após se envolver em sucessivos escândalos, além de ter seu
nome associado em denúncias de corrupção.
Monti te como função principal implementar o plano de austeridade
aprovado em 12 de novembro pelo parlamento italiano. O pacote contém
medidas duras para cortar 59,8 bilhões de euros e equilibrar o orçamento
do país até 2014.
Entre as medidas estão o aumento do Imposto sobre Valor Agregado
(IVA), de 20% para 21%, congelamento dos salários de servidores até
2014, aumento da idade mínima de aposentadoria para as trabalhadoras do
setor privado, de 60 anos em 2014 para 65 em 2026, maior rigidez na
aplicação das leis contra evasão fiscal, além de um imposto especial
para o setor de energia.
Foto: ASSOCIATED PRESS/AP
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Premiê grego garantirá por escrito que cumprirá compromissos com zona do euro
Grécia
A Grécia foi uma das maiores beneficiadas com a de adesão ao euro em
2001. Mas o governo grego foi incapaz de gerir a expansão dos gastos
públicos que dispararam de forma desordenada. Nesse período, os salários
do funcionalismo praticamente dobraram. Agora, a Grécia é o país de maior evidência no grupo de devedores da União Europeia.
O país tem hoje uma dívida equivalente a cerca de 142% do Produto
Interno Bruto (PIB), a maior relação entre os países da zona do euro. O
volume de dívida está muito acima do limite de 60% do PIB estabelecido
pelo pacto de estabilidade do bloco assinado pelo país para fazer parte
do euro.
A Grécia gastou bem mais do que podia na última década, pedindo
empréstimos pesados e deixando a economia cada vez mais exposta aos
riscos da crescente dívida. Enquanto os cofres públicos eram esvaziados
pelos gastos, a receita era afetada pela evasão de impostos, deixando o país totalmente vulnerável quando o mundo foi afetado pela crise de crédito que veio à tona em setembro de 2008.
Apesar da ajuda da União Europeia, a Grécia segue em dificuldades. Em
meados de 2011, foi aprovado um segundo pacote de ajuda, de cerca de
109 bilhões de euros, em recursos da União Europeia, do Fundo Monetário
Internacional (FMI) e de bancos do setor privado. Um programa de
recompra de dívidas deve somar outros 12,6 bilhões de euros vindos de
instituições financeiras não estatais, chegando a cerca de 50 bilhões de
euros apenas a contribuição dos credores privados.
Diante das pressões, tanto internas como da comunidade financeira
internacional, no início de novembro o primeiro-ministro grego George
Papandreou aceitou renunciar ao cargo para que fosse montado um governo
de coalizão no país. Após uma longa negociação entre os partidos
governistas e de oposição, o ex-vice-presidente do Banco Central Europeu
(BCE) Lucas Papademos
foi nomeado em 10 de novembro o novo primeiro-ministro do governo de
união nacional na Grécia, com a missão de restaurar a confiança do
mercado financeiro e estabilizar a situação econômica do país.
Foto: Dominique Faget/France-Presse -- Getty Images
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Pessoas procurando vagas em agência de empregos na Espanha: desemprego recorde
Espanha
Com a taxa de desemprego
mais alta entre os países industrializadas (22% da população ativa),
ameaça de resgate financeiro e risco crescente de recessão, a Espanha vive sua pior crise em mais de quatro décadas.
A fragilidade econômica vem causando uma rápida mudança social
na Espanha, empurrando de volta para a pobreza pessoas que vinham
ascendendo economicamente. Segundo o Instituto Nacional de Estatística
(INE), mais de um em cada cinco espanhóis, (21% da população), ou cerca
de 10 milhões de pessoas, era classificado como pobre em julho, e
analistas estimam que este índice chegue a 22% até o fim do ano. Em
1991, o índice era de 14%. Uma em cada quatro famílias no país não tem
dinheiro suficiente para saldar as dívidas no fim de cada mês.
Essas estatísticas recentes contrastam com o perfil de um país que
até seis anos atrás criava cerca de 500 mil empregos por ano e que em
uma década de crescimento contínuo importou 5 milhões de imigrantes.
Algumas medidas para tentar ajustar o país ao momento de baixo crescimento
como congelamento de pensões, aumento na idade de aposentadoria, que
passou dos 65 para 67 anos, corte de 5% nos salários do funcionalismo,
aumento de impostos, entre outras, foram decretadas nos últimos meses.
Mas essas decisões acabaram com a popularidade dos políticos
socialistas, que chegaram ao poder em 2004, num momento de expansão
econômica impulsionada pelo que, no futuro, se transformaria em uma
bolha imobiliária. A forte expansão do setor da construção na Espanha
fez com que o PIB do país crescesse mais de 60% nos últimos 15 anos.
Entre 1994 e 2007, os imóveis tiveram uma valorização de mais 170%.
Após a realização de eleições parlamentares em 20 de novembro e sob o comando do novo primeiro-ministro Mariano Rajoy,
de perfil conservador, a Espanha deve ter pela frente períodos de mais
ajustes fiscais, com cortes de gastos do governo e crescimento mais
lento.
(Com agências)
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