CRISE
Embora
um tanto desconfiadas no que diz respeito à implementação, de modo
geral foram favoráveis as reações aos termos do acordo das lideranças
europeias para evitar o calote da dívida grega, na semana passada.
Parecia, a todos, que a decisão política no “mais alto nível” garantia
as condições de sobrevivência do euro e abria nova chance de
consolidação do sistema da Comunidade Europeia.
O “acordo” é, na verdade, somente um projeto que procura ganhar tempo
para solucionar a questão grega, empurrando a dívida “com a barriga” e
ignorando o problema de curtíssimo prazo: a capacidade do governo da
Grécia de se manter de pé e convencer o povo nas ruas a suportar os
custos do ajuste. A proposta do primeiro-ministro Papandreou de realizar
um referendo sugere um apelo de “cessar fogo” aos manifestantes
indignados, um apelo à razão na 25ª hora. Ela produziu reações
indignadas dos principais líderes europeus, que exigem dos gregos
aceitar os custos de um ajuste que dificilmente proporiam aos cidadãos
de seus próprios países. A alternativa que alemães e franceses colocam é
a retirada da Grécia do sistema do euro, uma saída que talvez ainda
seja a menos traumática neste momento para a população grega.
O que se articulou, até agora, foi uma dessas
operações meio “mágicas” que podem dar uma sobrevida ao euro. Ela tenta
recuperar um pouco de tranquilidade no curto prazo, mas sem
consequências práticas importantes, porque as pessoas percebem que são
soluções que vão demorar dois ou três anos para produzir efeitos.
Pode-se esperar a utilização mais ágil dos instrumentos do Banco Central
Europeu com a posse do economista italiano Mario Draghi, um
profissional da maior competência e com larga experiência, para dar um
pouco mais de tranquilidade ao mercado. Aumenta, no entanto, a sensação
de que se perdeu demasiado tempo nesses dois anos sem enfrentar os
verdadeiros problemas, a exemplo do que aconteceu nos Estados Unidos no
governo Obama.
É evidente hoje que ele hesitou muito antes de orientar a
administração no sentido de promover a recuperação dos níveis de
emprego, mediante os estímulos corretos ao crescimento econômico.
Pesquisas de opinião mostram que dois terços das pessoas consultadas
consideram o governo o principal culpado pela crise econômica e pela
tragédia do desemprego. Esses resultados perturbam a sua campanha em
busca da reeleição daqui a um ano. Um dos fatores ainda mais
desagradáveis tem sido a avaliação que se faz dos programas postos em
prática, tardiamente, para enfrentar a crise, cuja qualidade foi
considerada lamentável, após gastos de mais de 1 trilhão de dólares.
Foram três programas com pífios resultados, especialmente em relação
ao objetivo de reduzir os níveis do desemprego, que continuam
altíssimos: 1. Colocar dinheiro diretamente nas mãos
dos cidadãos (152 bilhões de dólares em cheques do Tesouro) para que
eles o gastassem em consumo. 2. Disponibilizar recursos para compras governamentais e infraestrutura (862 bilhões de dólares). 3.
Transferir verba para governos locais, na esperança de que ampliassem
seus gastos com bens e serviços (173 bilhões de dólares). Os estímulos
chegaram tarde: no primeiro, o dinheiro não foi para o consumo, mas para
o pagamento de dívidas; no segundo, não se gastou nos primeiros dois
anos mais do que 5% do estimado e, no terceiro, o destino dos recursos
foi igual ao do primeiro programa: redução de dívidas.
Voltando ao problema mais urgente da Eurolândia, a
questão é que, mesmo com o perdão de 50% da dívida, o ajuste das contas
gregas vai exigir um corte nos salários de mais de 40%. A forma de fazer
isso “com anestesia” é uma maxidesvalorização dramática. Baixar os
salários simplesmente com medidas de economia, de redução de custos e
mais apertos aqui e ali nos gastos públicos, sem poder recorrer à
desvalorização da moeda é o mesmo que operar o paciente sem anestesia.
Num cenário de elevadas taxas de desemprego, não apenas na Grécia,
mas em quase todos os demais países (a exceção é a Alemanha, dentre as
maiores economias), a demora em encontrar soluções faz aumentar ainda
mais rapidamente o nível de insatisfação popular. Não é apenas o número
de manifestantes e sua presença organizada e constante nas áreas
públicas que desafiam a estabilidade política. O grau de indignação dos
milhões de desempregados vem crescendo diante do conhecimento -recente
dos -malfeitos bilionários que encontraram guarida nas instituições
financeiras, sob as vistas complacentes dos governos..
Fonte; Carta Capital
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