Conceito da 'ecopegada' evidencia o descompasso entre o estilo de vida atual e o esgotamento ambiental; mesmo cheio de furos, o cálculo ajuda a quem quiser pegar mais leve
REINALDO JOSÉ LOPES DE SÃO PAULO
Se os recursos naturais da Terra fossem o saldo de uma conta bancária, a humanidade já estaria usando o cheque especial para sobreviver, gastando 45% a mais do que seu "salário" permite.Essa é a mensagem central do conceito de pegada ecológica, criado para estimar, com números, o quanto o padrão de vida moderno se tornou insustentável diante das possibilidades finitas que o planeta tem de fornecer água, alimentos e energia.Além de permitir uma visão global da "conta-corrente" da espécie humana, a pegada ecológica também aponta o que cada pessoa deve fazer para que seu próprio nível de consumo se torne mais compatível com o que o solo, os rios e o oceano realmente conseguem produzir.Embora envolva uma série de incertezas e pressuposições, o índice dá pistas importantes sobre o que é preciso mudar. E mostra que não há soluções fáceis ou de curto prazo, por mais que algumas atitudes individuais tenham impacto positivo. TERMÔMETRO DIDÁTICO"A grande vantagem da pegada ecológica é o poder didático que ela tem", afirma Alexandre Maduro-Abreu, doutor em desenvolvimento sustentável pela UnB (Universidade de Brasília)."Não se trata de uma medida exata, mas de uma espécie de termômetro, que nos ajuda a ter uma ideia da gravidade da situação", compara o biólogo Samuel Barreto, coordenador do programa Água para a Vida da ONG ambientalista WWF-Brasil.Em vez de graus Celsius, contudo, esse termômetro usa uma medida em hectares, correspondente à fatia da superfície terrestre, incluindo solo e mares, que uma pessoa utiliza para sustentar seu padrão de vida(confira o infográfico).Por isso mesmo, a conta precisa embutir a área usada para produzir os vegetais e a carne devorados por essa pessoa, bem como os trechos de oceano onde são pescados os peixes que ela come.Calcula-se ainda a área de florestas e outros tipos de vegetação responsáveis por absorver os gases do efeito estufa produzidos por esse indivíduo -afinal, sem essa absorção, a temperatura da Terra se eleva, bagunçando parâmetros essenciais, como a produtividade agrícola.SINAL AMARELOO resultado dessa multidão de contas é que leva os pesquisadores a adotar a metáfora do cheque especial.Isso porque existe, por exemplo, um limite para a recuperação da fertilidade do solo após seu uso para a agricultura, ou para a taxa de reprodução e crescimento dos atuns depois que os cardumes deles são pescados. Se tais limites são ultrapassados, vem o sinal amarelo.Nesses casos, a longo prazo a situação é insustentável, porque os estoques naturais não conseguem se recuperar -tal como os juros que corroem cada vez mais o limite de uma conta bancária.Uma forma de indicar esse uso dos "juros" é torná-lo equivalente ao número de "Terras" que a pessoa teria de usar para se sustentar. O padrão de vida de europeus e americanos exige, por exemplo, entre 3,5 e 5 "Terras"."Pensando com base na pegada ecológica, o que a gente quer evitar é justamente a escassez de recursos que acompanha esse tipo de cenário e os conflitos que podem vir dela", diz Barreto.
O QUE AUMENTA A PEGADA ECOLÓGICA?Alimentação: consumo de carne e outros alimentos de origem animal Consumo: uso de embalagens descartáveis sem reciclá-las Transporte: viagens frequentes de avião, uso de automóveis Energia: lâmpadas obsoletas, eletrodomésticos constantemente ligados
E O QUE AJUDA A DIMINUÍ-LA?Energia: maior proporção de vegetais na dieta Consumo: reutilização e reciclagem Energia: preferência ao transporte coletivo, a pé ou de bicicleta Energia: lâmpadas e aparelhos mais eficientes, economia
Folha de São Paulo, 05 de junho de 2010
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