Há 9 horas e 42 minutos
Por Cristiano Romero
Dezessete anos depois de lançado o Plano Real, a economia brasileira domou a inflação e passou a crescer de forma mais rápida, mas ainda tem taxas de juros excessivamente elevadas, "campeãs internacionais", como gostam de dizer os críticos contumazes da política monetária. Para acelerar a taxa de crescimento, o país teria que promover reformas estruturais que estimulassem o incremento da poupança doméstica, a expansão do investimento e o aumento da produtividade.
No rol dessas reformas, incluam-se, entre outras, a redução da carga tributária, a diminuição dos custos previdenciários, a realização de concessões e privatizações em setores onde a presença do Estado é desnecessária (gestão de portos e aeroportos, por exemplo), o encolhimento drástico da burocracia e uma verdadeira revolução educacional. Essas reformas, assim como fez a estabilização nos últimos anos, dariam um novo gás ao ritmo de crescimento do Brasil, hoje variando entre 3,5% a 4,5% ao ano.
É possível que, em algum momento, algumas dessas reformas sejam retomadas, como vem tentando fazer a presidente Dilma Rousseff nas áreas aeroportuária e previdenciária. Mas não se deve esperar muito além disso na atual conjuntura política brasileira.
Fim do crédito subsidiado normalizaria mercado
Foi nesse contexto, de ausência de reformas, que o economista Pérsio Arida, um dos criadores do Plano Real, formulou proposta para dar um novo gás à expansão do Produto Interno Bruto. Trata-se, segundo ele, de um "gás endógeno", um dividendo do processo de estabilização que ainda foi não devidamente usufruído.
Em entrevista publicada ontem no Valor, Arida propôs que o governo acabe com os empréstimos subsidiados, lastreados por instrumentos de poupança compulsória - o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) -, e passe a remunerar esses fundos a taxas de mercado. Isso aceleraria o processo de normalização financeira iniciado pelo Plano Real, mas que está longe de ser concluído - a elevada taxa de juros operada pelo Banco Central (BC) é a prova cabal disso.
Os trabalhadores com carteira assinada deveriam ser os primeiros a reivindicar mudanças na forma de remuneração do FGTS. O fundo, que recolhe compulsoriamente das empresas cerca de um salário por ano de cada trabalhador, corrige os saldos à TR mais 3% ao ano, metade da variação da caderneta de poupança. O governo debate neste momento a possibilidade de distribuir possíveis lucros do FGTS entre os cotistas. É, sem dúvida, uma boa medida, mas ainda assim paliativa.
Se passasse a remunerar os depósitos do FGTS a taxas de mercado, referenciadas nos custos de captação do Tesouro Nacional, o governo ajudaria a elevar a poupança interna. Seria um passo importante para aumentar os recursos disponíveis ao financiamento dos investimentos produtivos e também para reduzir a dependência do país de poupança externa. O FGTS continuaria a ser uma fonte relevante de empréstimos a pessoas físicas e jurídicas, mas sem subsídio.
O crédito habitacional com dinheiro do fundo ficaria mais caro, mas provavelmente não no nível apregoado pelos que defendem a manutenção do sistema atual. Primeiro, porque, com o fim do crédito subsidiado, o BC teria condições de reduzir imediatamente a taxa básica de juros (Selic), diminuindo o custo de financiamento do Tesouro Nacional e empurrando para baixo todas as outras taxas de juros. Segundo, porque, ao longo com a aceleração do processo de normalização financeira, a tendência dos juros nos vários instrumentos de crédito seria diminuir.
Para programas habitacionais de baixa renda, em que o subsídio é inevitável e até desejável, o governo pode dispor de recursos diretamente do Orçamento Geral da União, como já faz com o Minha Casa, Minha Vida. É mais transparente e não provoca distorções na economia.
No caso dos empréstimos feitos com recursos do FAT, o encarecimento do crédito do BNDES, beneficiário de 40% dos recursos desse fundo, reduziria, num primeiro momento, a demanda por esses financiamentos. A normalização financeira ajudaria, entretanto, não só a reduzir as taxas médias de juros, mas também a desenvolver o mercado de capitais, criando fontes alternativas de financiamento (ações, debêntures etc.).
O fim do crédito subsidiado com dinheiro do FAT também permitiria ao governo reduzir a carga tributária. Hoje, o FAT é mantido com recursos de um tributo - o PIS, que incide sobre o faturamento das empresas e, em 2010, recolheu R$ 41,4 bilhões. Como a demanda por esses empréstimos seria menor, o governo poderia diminuir as alíquotas do PIS.
Não fosse o clima de Fla-Flu predominante em Brasília, Pérsio Arida seria ouvido, afinal, o que ele está propondo é, antes de mais nada, um debate. Como um dos artífices do Plano Real, tem as credenciais para se fazer ouvir. "Quando o sistema de intermediação financeira é atrofiado e a taxa de juros é muito alta, a economia cresce muito abaixo do potencial", diz ele. "Os ganhos do real ainda não terminaram porque não houve uma normalização completa dos mercados."
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras
E-mail cristiano.romero@valor.com.br
Fonte: http://www.valor.com.br/brasil/1137300/um-caminho-para-reducao-dos-juros
Nenhum comentário:
Postar um comentário