30.11.09

Venceríamos todos...

Autor(es): Carlos Lessa
Valor Econômico - 30/11/2009

É insólito o ministro falar da necessidade de uma desvalorização cambial de 34%

Dia 18 deste mês, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, proclamou que, "se o dólar no Brasil estivesse a R$ 2,60, venceríamos todos". Prosseguiu afirmando que, assim, "a indústria nacional poderia enfrentar a concorrência dos chineses e coreanos" e enfatizou: "a indústria brasileira tem muita competência e capacidade, mas nós temos uma desvantagem cambial".

Concordo inteiramente com o ministro, pois após a crise, o yuan chinês se valorizou apenas 3% em relação ao dólar, enquanto o real brasileiro se valorizou quase 30% (um primeiro lugar altamente negativo). Porém, fiquei perplexo: é insólito para o mercado de capitais e financeiro atrelado ao câmbio flutuante um ministro da Fazenda falar da necessidade de uma desvalorização cambial de 34%, mas praticamente nada aconteceu. Essa é outra surpresa. De duas, uma: ou "o mercado" não escuta a Fazenda ou teria acontecido outra notícia neutralizando a declaração. Creio que a última hipótese ocorreu, pois no mesmo dia, Mário Torós abandonou a diretoria do Banco Central e o dr. Meirelles disse que, a pedido de Lula, ficará no cargo até o fim de 2010. Se alguém tinha qualquer dúvida sobre quem comanda "o mercado", percebeu que vivemos sob o Império do CMN e do Presidente Meirelles: no mesmo dia, correu a notícia de que os membros do CMN escolheram o substituto do demissionário Torós. Nada de novo no Quartel de Abrantes?

Obviamente, por trás da declaração de Mantega está sua inequívoca preocupação com a atrofia das exportações de produtos manufaturados e a explosão de gastos pouco prioritários, como no turismo. Deve prevalecer a preocupação com a brutal perda financeira que o Brasil tem ao comprar dólares que afluem em busca dos juros a 8,75% a.a. e são aplicados, pelo BC, em Títulos do Tesouro americano, que rendem cerca de 1% a.a. O ministro da Fazenda sabe que, nessa absurda operação, o Brasil perde mais que os gastos federais em Saúde e Educação. Sabe, também, que num mundo em crise o Brasil é o paraíso dos aplicadores de capitais de curto prazo, atraídos pelos juros reais que o BC paga, pela ausência de tributação, pela cláusula cambial e pela facilidade de retorno. Essa cadeia de felicidade para os especuladores se realimenta, pois o afluxo de dólares valoriza o real e aumenta os ganhos especulativos dos pioneiros da cadeia. O coro que apresenta o Brasil como "uma ilha de felicidade no oceano da crise mundial" reforça a atratividade da aplicação suicida dos dólares afluentes. Quero crer que o ministro Mantega não aprova essa política do Presidente Meirelles, mas tem que agüentar a versão tupiniquim da Doença Holandesa e perceber a atrofia da renda da agropecuária e o desestímulo à atividade industrial.

Imaginei que, nas catacumbas da política econômica, alguma alquimia estivesse sendo desenhada. Alguns sinais já haviam sido emitidos: a aplicação do IOF de 2% aos capitais estrangeiros afluentes (um modesto ensaio de freio), o boato de que os brasileiros poderiam manter contas em dólar em bancos no Brasil (remuneradas a 8,75%? ), e o rumor cada vez mais insistente de que o BC estaria avaliando a possibilidade de os bancos que operam no Brasil poderem fazer operações de derivativos a partir daqui. Desatar as regras de estruturação e derivativos a partir do Brasil "seria uma simplificação burocrática" e soaria como avant première de que o Brasil estaria dissolvendo qualquer "amarra cambial", estaria dissolvida qualquer "pérfida reminiscência de uma passada situação de escassez de moeda estrangeira". Estaria em estudo a autorização para que fundos multimercados possam aplicar recursos no exterior - afinal de contas, as exportadoras já mantêm mais de US$ 10 bilhões no exterior! Houve a elevação da nota do Moody´s e estaríamos vivendo a "era da fartura de dólares".

A idéia da superação da crise e de que a nau brasileira navegará com as velas enfunadas em um oceano esplêndido é a mais espetacular invenção tupiniquim. Sem esgotar sinais, apenas citando alguns veiculados pela mídia no último mês, vejamos a qualidade da meteorologia futurística do BC e da onda esfuziante de autocongratulações pré-sucessórias do Governo: todos os analistas americanos falam da ameaça de uma bolha de cartões de crédito, deploram o "empobrecimento" das famílias americanas, sinalizam debilidades estruturais nas entidades financeiras (nas últimas semanas, a CIT, maior financiadora de varejo, vacilou), o FCC esgotou sua possibilidade de apoiar agentes financeiros norte-americanos vacilantes etc.

A Europa ainda em recessão, do Japão não vêm boas notícias. A China é exceção, porém é uma economia fechada à especulação internacional, mantém o yuan sintonizado com o dólar e está realizando um gigantesco investimento público em infraestrutura (o contrário do Brasil). No G-2, a atrofia norte-americana abre caminho para uma neo geopolítica chinesa, vitoriosa na Ásia, fortemente instalada na África subsaariana e em rápida penetração no Cone Sul do continente americano.

Agora Dubai pré-anuncia um calote; o Dubai World pediu uma moratória de seis meses. Dubai deve US$ 80 bilhões e anunciou o fechamento de seu mercado financeiro. Nesse país, um mar de areia sobre um leito de petróleo, estourou uma bolha imobiliária e seus hotéis imaginosos estão vazios. Espero que não prospere, com alicerce no Pré-Sal, um trem-bala-bolha equivalente à torre hoteleira instalada em águas salgadas com mais de 20 andares formatados com inspiração de velas.

O mar tempestuoso da crise mundial poderá fazer da "nau brasileira" a repetição da sinistra caricatura que o governo FHC fez da lancha travestida de caravela, que enguiçou antes de chegar a Coroa Vermelha para replicar as naus cabralinas. O Brasil do Presidente Meirelles e do Ministro Mantega parece estar sendo preparado para mergulhar, sem bóia, num mar tempestuoso.

Em tempo: Os depósitos de exportadores brasileiros no exterior não evidenciam retenção de dólares; pelas alquimias do sistema financeiro e pelas facilidades dos anonimatos dos paraísos fiscais, é sabido que uma parcela substancial dos "capitais estrangeiros" de curto prazo pertencem, de fato, a brasileiros que se sentem mais confortáveis tendo fantasia de estrangeiro. Desconheço o tamanho da diáspora de dólares de brasileiros que retornam travestidos em busca dos juros do Presidente Meirelles. Na Argentina, o governo estima que estão no exterior US$ 90 bilhões de dólares de argentinos. Com a abertura cambial total, sem salvaguardas e com uma pseudo-ingenuidade, nada mais fácil que operar transmutações financeiras alquímicas e desfrutar ganhos de arbitragem. Sai de vez o povo brasileiro e, parafreaseando João Ubaldo, "Viva o BC brasileiro" e sua constelação de clientes!

Carlos Lessa é professor emérito de economia brasileira da UFRJ. E-mail: carlos-lessa@oi.com.br

Aquecimento global e equidade

Autor(es): LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Folha de S. Paulo - 30/11/2009

Os governos usam critérios distintos de metas de emissão quando as estabelecem e não há garantia de que as cumpram



À MEDIDA que se aproxima a conferência sobre o aquecimento global de Copenhague, aumenta a preocupação sobre a possibilidade de seu fracasso. Nesse clima, Thomas Stocker, presidente do Grupo de Especialistas sobre o Aquecimento Global, manifestou-se em recente entrevista ao "Monde" (24.11.2009) sua indignação contra os "negacionistas" financiados por empresas de petróleo e de mineração que buscam pôr em dúvida as evidências científicas sobre o fenômeno.
Estas, entretanto, não deixam margem para dúvida: no último século, as temperaturas médias aumentaram mais de 0,7C, os oceanos aumentaram de nível em 17 cm, 10% das coberturas glaciais foram perdidas, e o teor de sal das águas dos oceanos aumentou.
Não creio no fracasso da conferência como um todo, embora não seja possível esperar que os países ricos venham a se comprometer a reduzir as emissões de gases no nível necessário.
A meta relativamente consensual entre os especialistas é a de uma redução global das emissões de 80% em 2050 em relação ao nível de 1990. A União Europeia, que está mais avançada nessa questão, pretende cumprir essa meta, aumentar em 30% a eficiência energética e aumentar para 60% a percentagem de energias renováveis.
Os Estados Unidos, afinal, comprometeram-se em baixar em 17% as emissões em 2020 com base em 2005, enquanto a China fala em 40% a 45% de redução de emissões também em 2020, mas por unidade de PIB (Produto Interno Bruto): ao invés de aumentar em três vezes sua emissão, aumentará em duas vezes.
Entre os países em desenvolvimento, o Brasil se mostrou disposto a estabelecer uma meta de redução de 80% do desmatamento na Amazônia e, mais amplamente, de reduzir de 36,1% a 38,9% suas emissões de gás carbônico até 2020 -uma meta ambiciosa, mas que não impedirá o desenvolvimento do país.
A conferência não deve fracassar porque os negacionistas e aqueles que supõem que o problema possa ser simplesmente resolvido por novas tecnologias menos poluidoras ou mais econômicas de energia não representam o pensamento dominante.
Existe no mundo uma verdadeira preocupação com o problema. Mas os governos não estão ainda em condições de estabelecer metas definitivas. Usam critérios distintos quando as estabelecem e não há garantias de que as cumpram. Por outro lado, a questão da equidade no estabelecimento de metas para os países ricos e os países em desenvolvimento continua confusa.
Nesse ponto, a proposta que me pareceu mais interessante é a de estabelecer o máximo de emissões per capita que o mundo possa suportar e definir esse valor como a meta para cada país. Ao contrário do que foi feito em Kyoto, não se procuraria apurar responsabilidades pelas emissões passadas, mas se estabeleceria uma espécie de "direito de emissão" igual para todos.
Uma meta que implicaria custos mais elevados para os países ricos, mas não deixaria de manter os demais países responsáveis pelo problema que é de todos. Para estabelecer essa meta, será necessário considerar as projeções demográficas que supõem a estabilização da população mundial em torno de 2050. Não sei qual deverá ser essa meta per capita, mas, além de haver nela um princípio básico de equidade (não há nada que justifique que ricos emitam mais gases que os pobres), ela seria clara e simples tanto para ser definida e ajustada quanto para ser monitorada.

Os excessos econômicos perduram

30 de novembro de 2009

Jornal do Brasil (RJ)

THE NEW YORK TIMES

O ambiente econômico global com crédito a baixas taxas de juros, comum nas últimas duas décadas, foi uma aberração que levou à “enorme destruição da capacidade” atual dos recursos naturais, diz Pippa Malmgren, presidente e co-fundadora das firmas de serviços financeiros Canonbury Group e Principalis Asset Management.

Resultado: países como a China correm para garantir suprimentos de commodities (mercadorias negociadas no mercado internacional), enquanto pacotes de estímulos econômicos de governos para evitar a depressão global elevam o risco de inflação, que poderia ameaçar a estabilidade social, argumenta.

Ex-conselheira econômica do ex-presidente George W. Bush e ex-analista de investimento de UBS Warburg e Bankers Trust, Pippa acredita que o fim da Guerra Fria e o fluxo de bilhões de pessoas na economia mundial criaram um ambiente de baixa inflação e volatilidade, que ela descreve como “cenário excepcional”.

– Muitas pessoas acham que o que tivemos nos últimos 20, 25 anos era normal, mas, em minha opinião, não era – explica – Foi uma aberração na história ter essas circunstâncias excepcionais e elas, agora, começam a diminuir. Estamos entrando em um ambiente econômico muito mais normal. É um retorno ao que tínhamos antes dessas circunstâncias excepcionais.

Apesar de parecer que a economia mundial está melhorando, com a ajuda de medidas de estímulo econômico, enquanto mercados financeiros se refazem de novo devido ao aumento dos valores de títulos e à volatilidade em declínio, Pippa alerta que seria perigoso interpretar esses sinais como uma luz verde para as pessoas aumentarem seus riscos de investimento em vez de reduzi-los.

Depois de experimentarem anos de boom econômico, as empresas amargam o sofrimento causado pela desaceleração reduzindo significativamente a capacidade de produção. De acordo com Pippa, empresários disseram que a “enorme destruição da capacidade” da produção de commodities ocorreu em decorrência disso.

Pippa destaca, por exemplo, que a capacidade de produção, em todo o mundo, de alguns metais caiu 80%, enquanto os produtores nos EUA reduzem seus rebanhos de vacas leiteiras porque se tornou muito caro manter excesso de estoque.

Então, com os preços das commodities ultrapassando os do mercados de ações, Pippa acredita que esses valores crescentes serão deflacionários e destruirão a margem das empresas.

Em relação à China, Pippa diz que a crise econômica atual e o fraco mercado doméstico de oferta pública inicial estão obrigando os fabricantes de lá a elevarem os preços, o que significa que o país asiático não vai mais exportar desinflação para o mundo. Em vez disso, a China será uma fonte de inflação, analisa.

Para ter certeza, a inflação representa um sério perigo para a China, uma vez que ameaça a estabilidade social. Pippa destaca que os protestos na Praça da Paz Celestial em Pequim há 20 anos ocorreram em um cenário de alta inflação, ao passo que as manifestações recentes no Tibete tinham monges protestando nas ruas por serem trocados por arroz.

As autoridades chinesas estão, segundo Pippa, muito assustadas.

Para elas, não há nada que vá gerar ruptura social de uma nação mais rápido do que a inflação, diz.

– Vemos que, pela primeira vez na história, os EUA, o Reino Unido, muitos dos europeus, os japoneses e nós (China) estamos incluídos, acabando com todas as fronteiras conhecidas de estímulo monetário e fiscal, e fazendo isso simultaneamente pela primeira vez na história – explica – Achamos que a iniciativa vai funcionar. E se der certo, não temos mecanismo para proteger nossa economia da inflação.

Tradução: Victor Barros

Fantasma da crise ameaça país

30 de novembro de 2009

O Globo (RJ)

Risco de nova depressão mundial preocupa governo e põe em xeque crescimento previsto para 2010


Patrícia Duarte e Lino Rodrigues BRASÍLIA e SÃO PAULO


A luz amarela já acendeu para a equipe econômica sobre 2010, ano que pode não ser um mar de rosas, como o governo vem defendendo. A economia brasileira, aquecida, já atinge níveis pré-crise em vários setores — conforme mostrou reportagem do GLOBO publicada na edição de ontem — e tem tudo pra crescer 5% ou mais no ano vem, porém existe um fantasma que pode se concretizar e jogar água na fervura: uma nova depressão nos Estados Unidos. É aquilo que os economistas chamam de “recuperação em W”. Ou seja, a economia, depois de uma crise, começa a crescer novamente mas sofre um novo recuo para, só depois, expandirse com mais força.

Os sinais de que isso pode ocorrer com os americanos já começaram a ser dados pelo próprio presidente Barack Obama, que citou recentemente o risco de ocorrer o “W”. Ele é alimentado, por exemplo, pelas dúvidas sobre a solidez do sistema financeiro e sobre como a economia dos EUA reagirá quando os incentivos oficiais à recuperação — à compra de veículos e imóveis, por exemplo — forem retirados.

Além dos EUA, a Europa também começa a dar sinais de que pode passar um novo movimento de depressão em 2010. O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, participou na semana passada de seminários na Noruega e na Itália e diz que um dos temas recorrentes era a “recuperação em W”. O tropeço pode vir, argumenta ele, porque os investimentos produtivos ainda não estão totalmente fortalecidos, e os governos, por causa da turbulência no fim de 2008, já não têm fôlego para injetar muitos recursos.

— Países como China, Índia e Brasil vão sentir esse movimento, mas menos, porque os mercados internos estão muito mais fortes — acredita.


Mercado interno como amortecedor


O vice-presidente de desenvolvimento econômico e de gestão do Banco Mundial, Otaviano Canuto, também alertou para um novo mergulho na recessão se as economias avançadas não superarem alguns obstáculos deixados pela crise global, como a herança fiscal, o endividamento financeiro das famílias americanas e o encolhimento do crédito.

— Se a economia desaba, inclusive na China, os preços de commodities também desabam, e isso afeta o Brasil. Não há como imaginar que alguém escape — disse.

Como destacou um importante integrante da equipe econômica, estas ameaças não podem ser ignoradas. É preciso ficar de olhos abertos, já que o Brasil estará crescendo com força e, eventualmente, terá de encarar um mercado mundial muito menos comprador e líquido de recursos para crédito. O setor produtivo também já está atento, mas otimista.

A fonte enumera, entretanto, as armas que o país já tem pra enfrentar um novo soluço: reservas elevadas — cerca de US$ 230 bilhões, que poderão chegar a US$ 270 bilhões se o Banco Central
(BC) continuar comprando dólares no ritmo atual; avaliações de risco baixas, sobretudo pelos graus de investimento já concedidos; e contas fiscais sob controle.

Além disso, acrescentou, há todo o arsenal preparado com o primeiro round da crise, no ano passado. Ou seja, toda a legislação e resoluções que inundaram o país com crédito do fim de 2008 até o início de 2009, como reduções de compulsórios e leilões de dólares com compromisso de recompra.

A fonte ressaltou ainda que, mesmo com as reduções do compulsórios bancários, ainda há um estoque elevado — acima de R$ 100 bilhões em espécie — e que, em 2010, pode chegar a R$ 180 bilhões.

— Não foi nada fácil montar todas aquelas medidas. Passávamos a madrugada avaliando a legislação. Agora, tudo já está pronto — contou a fonte.

Durante a semana passada, o presidente do BC, Henrique Meirelles, tocou no assunto. Mas ele defendeu que, se houver nova retração nos Estados Unidos, o Brasil sentirá menos os reflexos.

O setor produtivo também não aposta que haverá uma nova turbulência originada pelos americanos, mas, se isso ocorrer, o mercado interno brasileiro servirá de amortecedor.

Para o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugênio, até mesmo os investidores estrangeiros enxergam o enorme mercado do Brasil.


Exportador teme protecionismo


Além disso, ressaltou ele, o mercado chinês também pode ser uma das saídas, já que o crescimento naquela região continuará forte, podendo absorver produtos brasileiros. Eugênio diz ainda que, atualmente, o mercado de crédito está bastante forte e dificilmente o setor produtivo vai sofrer com a falta de liquidez.

— Se houver esse recuo (nos EUA), o “W” será bem manco. Com uma perninha de depressão — aposta.

Os exportadores estão menos otimistas, embora confiantes. Para o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, o governo americano, para estimular sua atividade econômica, pode adotar ações que atingirão em cheio o comércio mundial.

Entre elas, medidas protecionistas ou subsídios para estimular as exportações dos produtos locais.

— Cerca de 70% das nossas exportações são commodities e, caso o preço caia, teremos problemas na balança comercial. Para o Brasil crescer 5% em 2010, como prevê o governo, as exportações terão que avançar pelo menos 15%. Não temos controle sobre o preço nem sobre o volume que exportamos — disse.

O senador Aloizio Mercadante (PT-SP), um dos conselheiros econômicos do presidente Lula, também enxerga que a solução do Brasil é focar no seu mercado interno.

— O ritmo de crescimento da economia americana é importante para o resto do mundo, porque o rabo não abana o cachorro. É difícil que o mundo consiga se recuperar sem os Estados Unidos. Havia um consumismo sustentado por padrões que já não existem. O ajuste americano vai ser doloroso e delicado.

Brasil, com prestígio e sem resultados

30 de novembro de 2009

Valor Economico (SP)

Sergio Leo


Um ato incomum na diplomacia dos Estados Unidos mostrou, na semana passada, como andam frustrantes as relações entre os governos do que os americanos chamam de Hemisfério Ocidental. Nunca antes na história daquele país um chefe de Estado nos EUA dedicou-se a escrever carta ao presidente do Brasil para detalhar temas de conflito com a diplomacia brasileira, e tentar justificativas para a política da Casa Branca. Ao ter as explicações rejeitadas como "decepcionantes", a reação surpreendente de Washington foi o esforço, por telefone, de atenuar a frustração brasileira.

Um bem informado leitor da carta de Obama, de três páginas, enviada no domingo, comenta que, apesar da decepção em Brasília, o tom geral da missiva é inédito, pela deferência ao Brasil. O governo americano argumenta que, em Honduras, as eleições já estavam no calendário político antes do golpe, e que a população local têm direito a escolher seus governantes. Sobre o Irã, ressalta a falta de garantias convincentes contra o uso bélico do programa nuclear no país.

Nas conversas com autoridades brasileiras, mantidas após as críticas à carta de Obama, a secretária de Estado, Hillary Clinton, e o assessor de Segurança Nacional, James Jones, lamentaram o tom negativo da repercussão no Brasil mas, em lugar de recriminações, discutiram como administrar as divergências. O esforço tem a ver com a acidentada agenda mundial dos EUA, a começar pelos conflitos no Oriente Médio, e as fortes críticas internas ao estilo pouco transparente da administração Obama, em temas internacionais e domésticos. Os EUA não precisam de encrencas no quintal, e sim de aliados.

O tom das conversas entre os dois governos costuma ser de camaradagem. Em junho, pouco após o golpe em Honduras, uma alta autoridade em Washington telefonou ao ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, no meio do jogo entre Brasil e EUA, pela Copa das Confederações. Os americanos venciam a seleção brasileira por dois a zero. "Há algo muito mudado: os EUA ganham do Brasil no futebol e há um golpe na América Central do qual não participamos", gracejou o interlocutor de Amorim.

O Brasil virou o jogo, no futebol. Naquele momento, o Itamaraty e a Casa Branca caminhavam para se acertar em relação a Honduras, buscando uma saída comum para a crise naquele país. Agora está evidente que, para os EUA, é preferível que as eleições de domingo aplainem o campo para a entrada de um novo ciclo político, sem os golpistas, confirmando, porém, a saída à força do presidente Manuel Zelaya, um desastrado aliado do venezuelano Hugo Chávez. É um precedente perigoso para a democracia na região, na avaliação da maioria dos governos sul-americanos, entre eles o Brasil. Na América Latina, não faltam governantes polêmicos de estilo populista ou contrários aos interesses estabelecidos, e grupos oposicionistas desejosos de derrubá-los a qualquer custo, sem escrúpulos de legalidade.

A ação dos americanos em Honduras abriu caminho para que outros países, antes veementes contra o golpe, já namorem a tese de que as eleições de ontem podem mudar as perspectivas para o país. Isso mostra quem dá as cartas na América Central - e não é o maior país da América do Sul.

Curiosamente, o mundo liberal nos EUA critica a posição da Casa Branca, diferentemente dos que, no Brasil, ainda manipulam artigos da Constituição hondurenha em defesa dos golpistas de Tegucigalpa. Como listou o jornalista Nélson de Sá, da "Folha de S. Paulo", quatro dias antes das eleições, revistas de prestígio como a "Time" e a "New Yorker" e analistas de instituições como o Brookings Institute e a American Society descreveram o caso hondurenho como um clássico golpe de Estado, e condenaram o apoio dos EUA às eleições.

Um sinal de que o pragmatismo poderá legitimar a ação dos golpistas, no entanto, foi dado discretamente, na semana passada, em conversa de uma autoridade espanhola com jornalistas brasileiros. A questão de Honduras tem de ser tomada "com muito cuidado", alertou o diretor geral de Informação Internacional do primeiro-ministro José Luiz Rodrigues Zapatero, Juan Cierco Jimenes de Parga, ao lhe indagarem sobre o tema. "Vamos ser prudentes", comentou Cierco Jimenes, que acabava de voltar de uma longa viagem internacional, na semana passada, com o mandatário espanhol. "Há chance de que a situação se normalize após as eleições, e a Espanha tem de favorecer a normalização."

É um sinal débil de recuo na posição espanhola: na mesma semana, autoridades do ministério das Relações Exteriores diretamente envolvidas nas negociações em Honduras advertiam que os espanhóis não reconhecerão o resultado das eleições sem a presença de Zelaya no governo. Mas Zapatero pode estar preparando uma mudança de atitude, com forte implicação simbólica, em relação à América Central.

Com ameaças belicistas entre Colômbia e Venezuela, acusações de espionagem entre Peru e Chile, bloqueio de fronteira não resolvido entre Argentina e Uruguai, a América do Sul é uma região fraturada , longe da harmonia desejada pelo Brasil com a União das Nações Sul-Americanas, a Unasul, que não conseguiu nem sequer evitar dissidências na condenação às eleições hondurenhas.

Apesar das frustrações, o Brasil, como mostra o esforço de Obama, tem prestígio no continente. O candidato favorito às eleições em Honduras, Porfírio Lobo, aliás, declarou que quer ajuda de Lula, a quem jura respeitar muito - sem nem mencionar o abrigo da embaixada brasileira a Zelaya, que, de lá, convocou o boicote às eleições.

Complicado está transformar esse prestígio em resultados concretos. A diplomacia não conseguirá isso sozinha, e o insucesso na busca de apoio real dos países da vizinhança dificulta a tarefa. Tarefa que será impossível se as forças políticas e sociais no Brasil olharem as questões de política externa apenas como oportunidades para obter vantagens contra o governo Lula, internamente.

Sergio Leo é repórter especial

Crédito para custeio flui em ritmo acelerado

30 de novembro de 2009

Valor Economico (SP)

Política agrícola: Bancos operadores apontam alta de 26% nos desembolsos nos primeiro quadrimestre da safra

Mauro Zanatta, de Brasília

Os produtores rurais brasileiros aproveitaram o aumento da oferta de crédito oficial a juros baixos para contratar mais financiamentos de custeio e comercialização na nova safra (2009/10).

Os bancos operadores do crédito rural apontam elevação de 26% nos desembolsos do primeiro quadrimestre do ano-safra, iniciado em julho. Foram emprestados aos produtores empresariais R$ 5,3 bilhões a mais que no mesmo período do ciclo 2008/09. Os agricultores familiares também aproveitaram os benefícios e contrataram um adicional de R$ 677 milhões (aumento de 18%) nesta safra.

Na soma de crédito de custeio, comercialização e investimento, o setor rural já contratou quase um terço dos recursos disponíveis para o atual ciclo produtivo. Os bancos financiaram, até outubro, R$ 34,13 bilhões ao setor - resultado 26% superior ao verificado na safra 2008/09. "A elevação dos tetos de recursos a juros controlados [subsidiados pelo Tesouro Nacional] e a redução dos custos de produção influíram nesse resultado", explica o diretor de Agronegócios do Banco do Brasil, José Carlos Vaz.

Ao mesmo tempo, a demanda por crédito de recursos a juros livres nos bancos contraiu-se 32%, de R$ 1,27 bilhão para R$ 865 milhões no período. "É que os bancos passaram a emprestar mais ao crédito imobiliário", explica o diretor da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Ademiro Vian. E as operações de aval e compra de Cédulas de Produto Rural (CPRs) caíram 12,5%. "O aval é concentrado em operações para o café, mas o segmento vive um momento de renegociações e os leilões tiveram queda por falta de liquidez", diz.

Os dados compilados pelo Ministério da Agricultura mostram alta de 22% nos desembolsos das operações com juros subsidiados (6,75% ao ano) pelo Tesouro. No item "recursos obrigatórios", foram emprestados R$ 12,52 bilhões (31,5%) até outubro. Os financiamentos com fonte na poupança rural recuaram 3%. "Isso ocorreu porque o governo trocou a equalização pela alteração no ponderador, o que permitiu aos bancos aumentar o cumprimento das ´exigibilidades´ rurais", explica Vian. Assim, o banco pode cumprir aplicar dinheiro no setor com celeridade.

A nova safra também assiste à retomada das operações na linha Proger Rural, dedicada à classe média do campo. Em quatro meses, os bancos aplicaram quase oito vezes mais do que na safra anterior, passando a R$ 1,17 bilhão. Essa linha foi considerada uma prioridade do governo na nova safra.

Os empréstimos para operações agroindustriais também cresceram quase seis vezes na atual safra. O BB desembolsou R$ 1,7 bilhão nesta linha. A maior parte foi para compensar a baixa aplicação na linha de crédito agroindustrial criada para dar capital de giro ao segmento em plena crise financeira global de 2008. A Procer teve só R$ 512,5 milhões - 5% do disponível - desembolsados até outubro.

As operações de investimento seguem em ritmo lento. Foram aplicados apenas 22% dos R$ 14,5 bilhões ofertados. Apenas os programas Prodecoop (cooperativas) e Produsa (agricultura sustentável) tiveram boa performance. Todas as demais linhas registraram forte recuo nos desembolsos.

Crédito para custeio flui em ritmo acelerado

30 de novembro de 2009

Valor Economico (SP)

Política agrícola: Bancos operadores apontam alta de 26% nos desembolsos nos primeiro quadrimestre da safra

Mauro Zanatta, de Brasília

Os produtores rurais brasileiros aproveitaram o aumento da oferta de crédito oficial a juros baixos para contratar mais financiamentos de custeio e comercialização na nova safra (2009/10).

Os bancos operadores do crédito rural apontam elevação de 26% nos desembolsos do primeiro quadrimestre do ano-safra, iniciado em julho. Foram emprestados aos produtores empresariais R$ 5,3 bilhões a mais que no mesmo período do ciclo 2008/09. Os agricultores familiares também aproveitaram os benefícios e contrataram um adicional de R$ 677 milhões (aumento de 18%) nesta safra.

Na soma de crédito de custeio, comercialização e investimento, o setor rural já contratou quase um terço dos recursos disponíveis para o atual ciclo produtivo. Os bancos financiaram, até outubro, R$ 34,13 bilhões ao setor - resultado 26% superior ao verificado na safra 2008/09. "A elevação dos tetos de recursos a juros controlados [subsidiados pelo Tesouro Nacional] e a redução dos custos de produção influíram nesse resultado", explica o diretor de Agronegócios do Banco do Brasil, José Carlos Vaz.

Ao mesmo tempo, a demanda por crédito de recursos a juros livres nos bancos contraiu-se 32%, de R$ 1,27 bilhão para R$ 865 milhões no período. "É que os bancos passaram a emprestar mais ao crédito imobiliário", explica o diretor da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Ademiro Vian. E as operações de aval e compra de Cédulas de Produto Rural (CPRs) caíram 12,5%. "O aval é concentrado em operações para o café, mas o segmento vive um momento de renegociações e os leilões tiveram queda por falta de liquidez", diz.

Os dados compilados pelo Ministério da Agricultura mostram alta de 22% nos desembolsos das operações com juros subsidiados (6,75% ao ano) pelo Tesouro. No item "recursos obrigatórios", foram emprestados R$ 12,52 bilhões (31,5%) até outubro. Os financiamentos com fonte na poupança rural recuaram 3%. "Isso ocorreu porque o governo trocou a equalização pela alteração no ponderador, o que permitiu aos bancos aumentar o cumprimento das ´exigibilidades´ rurais", explica Vian. Assim, o banco pode cumprir aplicar dinheiro no setor com celeridade.

A nova safra também assiste à retomada das operações na linha Proger Rural, dedicada à classe média do campo. Em quatro meses, os bancos aplicaram quase oito vezes mais do que na safra anterior, passando a R$ 1,17 bilhão. Essa linha foi considerada uma prioridade do governo na nova safra.

Os empréstimos para operações agroindustriais também cresceram quase seis vezes na atual safra. O BB desembolsou R$ 1,7 bilhão nesta linha. A maior parte foi para compensar a baixa aplicação na linha de crédito agroindustrial criada para dar capital de giro ao segmento em plena crise financeira global de 2008. A Procer teve só R$ 512,5 milhões - 5% do disponível - desembolsados até outubro.

As operações de investimento seguem em ritmo lento. Foram aplicados apenas 22% dos R$ 14,5 bilhões ofertados. Apenas os programas Prodecoop (cooperativas) e Produsa (agricultura sustentável) tiveram boa performance. Todas as demais linhas registraram forte recuo nos desembolsos.

Espanha planeja '2ª onda' de investimentos no Brasil

30 de novembro de 2009

Valor Economico (SP)

Sergio Leo, de Madri

Empresários de 70 companhias espanholas chegam nesta semana ao Brasil, em um esforço do governo da Espanha de criar uma "segunda onda" de investimentos do país no mercado brasileiro, desta vez com pequenas e médias empresas interessadas em seguir o caminho das grandes multinacionais atraídas pelas privatizações das décadas passadas.

A visita coincide com manifestações, na Espanha, de analistas e executivos em favor do Brasil como a alternativa mais atraente para enfrentar o péssimo desempenho da economia espanhola, única a se manter em queda enquanto o resto da Europa se recupera.

"O Brasil tem uma situação distinta do Peru, por exemplo: ambos terão crescimento, mas o brasileiro é mais sólido", diz o presidente da Caja Catalunya, Narcis Serra, ex-vice-presidente e ex-ministro da Defesa do governo Felipe González. "O mais importante não são os números da economia, mas a capacidade do Brasil de criar uma classe média mais ampla."

Segundo o ministério de Relações Exteriores espanhol, 20% dos investimentos das 35 principais empresas espanholas estão na América Latina, 15% dos quais no Brasil. Os bons resultados dessas empresas já atraem companhias de porte menor, como as que, nesta quarta-feira, em São Paulo, participarão de um fórum de investimentos do Instituto Espanhol de Comércio Exterior, com brasileiros em pelo menos 11 setores, principalmente indústrias de energias renováveis, saneamento, construção, tecnologia de informação, indústria pesada e calçados.

Os espanhóis planejam fabricar no Brasil, com sócios brasileiros, de usinas de biocombustíveis a aparelhos de leitura remota de serviços de água e luz, rodas industriais, empilhadeiras a solas de borracha moldada. "O crescimento no país torna o Brasil destino fundamental para as empresas espanholas" diz o economista Juan Carlos Martínez-Lázaro, do Instituto Escola Business School.

Com o desemprego beirando os 20%, previsões de queda na atividade econômica neste ano e no próximo, e uma redução que se aproxima de 3% no consumo, resultado do excesso de capacidade em setores que impulsionaram a economia, como o bancário e o imobiliário, a Espanha enfrenta um período de pessimismo. Na semana passada, o governo lançou um pacote tímido, com medidas de "economia sustentável" para reduzir custos das empresas, aumentar a fiscalização sobre infraestrutura e setor bancário e estimular gastos em construção civil (mas em reformas de moradias, para reduzir a já excessiva oferta de imóveis herdada da bolha).

Embora grandes companhias, como a principal construtora espanhola, Ferrovial, ainda apostem principalmente no mercado europeu, as firmas espanholas querem se expandir na América Latina, especialmente pelo Brasil, segundo comprovou a pesquisa "2010: Panorama do Investimento Espanhol na América Latina", ainda inédita, realizada neste ano pela IE Business School. O Brasil empata com o México, e só perde do Chile na preferência, como local de atuação, de 33 das 35 maiores firmas listadas na Bolsa da Espanha pelo índice IBEX35.

O repórter viajou à Espanha a convite da Fundação Carolina, de Madri

Contabilidade criativa turva meta fiscal

30 de novembro de 2009

O Estado de S.Paulo (SP)

Mailson da Nóbrega e Felipe Salto

A austeridade fiscal, traduzida em metas de superávit primário, é um dos pontos centrais da estabilidade macroeconômica conquistada pelo Brasil. Essa realidade pode estar sendo minada por manobras contábeis para maquiar a expansão de gastos via utilização de metodologia somente justificável sob acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Este previa uma experiência piloto de redução de certos investimentos para efeito de cumprimento de metas fiscais.

A metodologia surgiu no contexto de programas de apoio financeiro do fundo a países que, como o Brasil, sofriam as consequências de crises derivadas de parada súbita de fluxos de recursos externos. A ideia era evitar que dificuldades de cortar gastos de custeio terminassem por sacrificar investimentos cruciais para a recuperação pós-crise. Ao mesmo tempo, era preciso não correr o risco de criar incentivos para a ampliação de despesas correntes.

Implícita nessa estratégia estava a ideia de viabilizar investimentos públicos em períodos de ajuste fiscal. A experiência da crise de endividamento externo dos anos 80, que afetou praticamente todos os países da América Latina, mostrou que o ajuste necessário fora feito à custa basicamente da deterioração dos serviços de infraestrutura. Assim, esses países terminaram experimentando declínio da atividade econômica, da renda e do emprego maior do que seria de esperar com as medidas para enfrentar a escassez de financiamento externo.

Por isso, nos anos 90, quando o Brasil precisou recorrer novamente ao FMI, em meio às crises enfrentadas pelo governo FHC, as negociações incluíram a composição de um "Projeto Piloto de Investimentos (PPI)", de cuja seleção e acompanhamento participariam o fundo e o Banco Mundial. O objetivo não era, como é o caso neste momento, justificar reduções de superávit primário por conta de elevação de gastos correntes, mas evitar a repetição da queda de investimento público observada na década de 1980.

Em 2005, o atual governo decidiu implementar o PPI, sem qualquer conexão com um acordo com o FMI. Os objetivos seriam semelhantes, isto é, evitar gargalos de infraestrutura. A ideia era positiva, mas não fazia sentido fora do contexto de um acordo com o fundo.

Pior foi incluir no PPI, indiscriminadamente, todo o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o programa Minha Casa, Minha Vida, o que distorcia a ideia. Essa contabilidade criativa permite reduzir o esforço para cumprir a meta de superávit primário mediante o mascaramento das informações fiscais e sem qualquer monitoramento.

Para 2009 a meta oficial está fixada em 2,5% do PIB, mas, na prática, o esforço para cumpri-la poderá ficar em 1,56% do PIB, uma vez que os descontos previstos estão em 0,94 ponto porcentual (p.p.) do PIB. Para 2010, a meta é 3,3% do PIB, mas o esforço efetivo deverá ser de 2,62% do PIB, já que os descontos deverão ficar em 0,68 p.p. do PIB. Há, ainda, um projeto de lei do Executivo que aumenta o total de descontos de 2010 (R$ 22,5 bilhões) para cerca de 0,9 p.p. do PIB (ou R$ 29,8 bilhões), sob a justificativa de que o programa Minha Casa, Minha Vida fora incluído no PAC e, portanto, os descontos precisariam aumentar.

Além do uso indiscriminado dos investimentos para "cumprir" metas fiscais, o respectivo espaço gerado não está sendo bem utilizado. Todas as despesas do governo federal estão crescendo: Previdência, pessoal, custeio da máquina e os próprios investimentos. Os custos dessa política já estão contratados, isto é, perda de potencial de crescimento.

O próximo governo não escapará da necessidade de lidar com essa má herança. O desafio será realizar reformas estruturais que permitam recuperar a capacidade de investimento do governo federal e atrair investimentos privados em infraestrutura, de modo a sustentar taxas elevadas de expansão do PIB sem pressionar a inflação.

A contabilidade criativa dificilmente será considerada nas avaliações privadas do cumprimento de metas de superávit primário. Será fácil perceber que não se atingirá o objetivo de retomar no curto prazo a trajetória de redução da relação dívida pública líquida/PIB. Ao contrário, a relação subiu nos últimos meses, embora em parte pela apreciação cambial, que impacta negativamente o valor em reais das reservas internacionais.

O indicador piorou entre dezembro de 2008 e outubro de 2009, ao passar de 38,8% para 44,8% do PIB. Com os ajustes do câmbio, a relação seria, nos mesmos meses, de 42,3% e de 41,7%, respectivamente. E, também descontando o efeito da apreciação cambial e outros relacionados à dívida externa, nota-se que o indicador está oscilando em torno de 42% na média de agosto a outubro. Para o final deste ano, nossas projeções indicam, com e sem ajuste do câmbio, respectivamente, patamares de 45,7% do PIB e de 43,2% do PIB.

É provável que os especialistas passem a analisar a execução fiscal sem os descontos contábeis nas metas fiscais, pois somente assim poderão bem avaliar os riscos de uma expansão pouco transparente do endividamento público. Com ou sem contabilidade criativa se constatará uma deterioração dos indicadores de endividamento, que poderá ser revertida a partir de 2010, com a recuperação da arrecadação tributária.

Felizmente, a piora da gestão fiscal e da qualidade das estatísticas do setor público ainda não gera o risco de insolvência, mas o próximo governo terá uma tarefa nada fácil para retomar a trajetória de responsabilidade fiscal.

*Mailson da Nóbrega, sócio-diretor da Tendências Consultoria, foi ministro da Fazenda. Felipe Salto, economista pela FGV/EESP, é analista da Tendências Consultoria

Brasil isenta produtos de 30 países

30 de novembro de 2009

O Estado de S.Paulo (SP)

Medida será aplicada até 2010 e envolve os países mais pobres do mundo, mas é vista como ação política

Jamil Chade

A um ano do fim do governo Lula e com a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) amarrada num impasse, o Itamaraty faz proliferar os anúncios de novos acordos comerciais e relança negociações que estavam paralisadas. Poucos, porém, terão impacto econômico importante e a maioria é, por enquanto, ação política.

Ontem, o Brasil anunciou a abertura de seu mercado para produtos do 30 países mais pobres do mundo a partir de 2010. Hoje, lança negociações para a criação do maior bloco do Hemisfério Sul e, na quarta, fecha um tratado de preferências tarifárias com outros países emergentes.

Entre os países latino-americanos, cresce a constatação de que a Rodada Doha dificilmente será concluída. A ideia do governo é deixar algum acordo assinado como marca do governo Lula. Em oito anos, o Brasil praticamente não fechou nenhum acordo comercial.

O chanceler Celso Amorim anunciou ontem aos 30 países mais pobres do planeta que o Brasil deixará de cobrar tarifas de suas exportações. Em 2010, 80% dos produtos vendidos por esses países entrarão sem pagar impostos no Brasil. Até 2014, a cobertura chegará a 100%. Mas, se houver expansão rápida das exportações de têxteis de Bangladesh, por exemplo, serão impostas salvaguardas. "As devidas proteções serão estabelecidas."

O comércio entre esses países e o Brasil é pequeno e a iniciativa tem impacto político maior que o comercial. A Argentina, que terá de autorizar o Brasil a rebaixar suas tarifas, por fazer parte do Mercosul, nem sequer sabia do anúncio de Amorim. "Não estou sabendo de nada", afirmou o subsecretário de Comércio da Argentina, Alfredo Chiaradia.

Hoje, Amorim anuncia o lançamento de uma negociação para a criação de um bloco comercial entre o Mercosul, países africanos e Índia. O ministro do Comércio da África do Sul, Rob Davies, admitiu que o projeto é de longo prazo. "Vamos passo à passo, sem pressa", disse. Davies admitiu que existe ainda o projeto de usar o BNDES para financiar projetos de integração regional na África Austral.

Os argentinos estimam que o projeto pelo menos dá uma demonstração de que o Mercosul quer estabelecer entendimentos com outras regiões. "Não vamos ficar parados. Está na hora de buscar acordos", afirmou o negociador-chefe da delegação argentina, Nestor Stancanelli.

Amorim admitiu que, mesmo em uma aproximação com os emergentes, todos precisam de um acordo na OMC. "Só isso vai limitar os subsídios", disse.

Pedindo anonimato, um diplomata sul-americano insistiu que o acordo entre os emergentes era apenas "um lance político". O Uruguai, por exemplo, se queixa de que o Mercosul limitou suas possibilidades de fechar acordos com o mundo, enquanto o Chile já tem mais de dez tratados comerciais.

Na quarta-feira, o Brasil ainda anuncia acordo de corte de 20% nas tarifas de cerca de 18 países, entre eles Índia, Cuba, Coreia do Norte e Coreia do Sul. Mas um em cada três produtos será mantido sob proteção. O próprio Itamaraty não sabe dizer quais seria o lucro com o acordo. México e Chile não vão mandar ministros à reunião e consideram a iniciativa uma ato político. A África do Sul, que vive em recessão, e vários outros emergentes não vão abrir seus mercados

País quer acordo comercial com os EUA em 2010

30 de novembro de 2009

O Estado de S.Paulo (SP)

Chanceler brasileiro acena com negociação, mas critica a ''ganância'' dos americanos na Rodada Doha

Jamil Chade

O governo brasileiro quer fechar em 2010 um acordo de cooperação econômica e comercial com a administração de Barack Obama. A sinalização é do chanceler Celso Amorim, ontem, em Genebra, às vésperas da reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), que começa hoje.

Apesar da aproximação, o chanceler criticou a "ganância" dos Estados Unidos na negociação da Rodada Doha e defendeu, ao lado dos países emergentes, uma nova reunião negociadora para março. Amorim alertou que o fracasso seria um obstáculo até para o acordo climático e pela primeira vez falou na possibilidade de incluir temas sociais nos acordos da OMC, algo que era firmemente rejeitado pelo Brasil no passado.

O representante de Comércio da Casa Branca, Ron Kirk, insistiu que o Brasil terá de abrir seu mercado para que um acordo seja concluído na OMC.

Amorim e Kirk se reuniram ontem e o chanceler brasileiro deixou claro que não há nenhuma previsão de que o acordo bilateral signifique uma redução de tarifas de comércio entre os dois países. Nesse ponto, a agenda bilateral está emperrada.

Em pauta estariam temas como a promoção de investimentos, facilitação de comércio bilateral, acordos na área tecnológica entre empresas, propriedade intelectual, entendimentos no campo do etanol e área fitossanitária, inclusive para desbloquear as exportações de carne bovina brasileira para os Estados Unidos.

Amorim não descarta incluir no acordo um tratado para evitar a bitributação. "Achamos que o acordo pode sair em 2010", disse o chanceler, após a reunião com Kirk. "Eles têm muito interesse em estruturar a relação com o Brasil e nós também queremos isso."

O acordo já foi tratado em setembro entre os dois países. O último acordo envolvendo Brasil e Estados Unidos é do início dos anos 90. Amorim espera que o novo acordo ajude a aumentar a relação comercial. Mas indica que as exportações brasileiras para os Estados Unidos aumentaram em 2008 acima da taxa de países que já tinham acordo com os americanos. Durante os primeiros anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o governo americano acusou Brasília de ter enterrado o projeto de criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

Apesar de ensaiar a aproximação, Amorim fez duras críticas ao comportamento da Casa Branca nas negociações da Rodada Doha. "É surpreendente que o Partido Democrata ainda tenha uma velha agenda republicana de obter vantagens extras no comércio, e para beneficiar alguns poucos trabalhadores", afirmou Amorim, em relação aos esquemas de subsídios e proteção comercial existentes nos Estados Unidos para alguns setores. "Esses são objetivos gananciosos", afirmou, defendendo que Obama passe a ver o impacto social de sua política comercial.

OBAMA LEVA CULPA

Ministros do mundo todo que desembarcaram no fim de semana na Suíça admitem que a reunião da OMC começa esvaziada. Até as conclusões do encontro já estão desenhadas: apelar pela conclusão da rodada em 2010, lutar contra o protecionismo e pensar em formas de fazer a entidade mais eficiente. Mas, em diversas reuniões ontem, os países emergentes chegaram à mesma conclusão: a culpa pelo fracasso da Rodada, lançada em 2001, é de Obama que, desde que assumiu, não flexibilizou a posição dos EUA. O nome de Obama não foi citado de forma clara, mas está no documento aprovado pelos emergentes. "Há um país em particular que faz com que as negociações sejam lentas", afirmou Amorim.

Dubai sinaliza "correção" em emergentes

30 de novembro de 2009

Folha de S.Paulo (SP)

Análise é de Mark Mobius, da Templeton, que administra US$ 25 bilhões em ativos em países em desenvolvimento

Para o investidor, correção no preço das ações nesses países pode chegar a até 20%, apesar de recuperação vista na sexta-feira

DA BLOOMBERG

A tentativa de Dubai de reescalonar sua dívida deverá desencadear uma "correção" nos mercados emergentes, de acordo com o presidente da Templeton Emerging, Mark Mobius. A queda mundial das Bolsas mostra que os gastos dos governos, por si sós, não são suficentes para proteger os mercados financeiros, disse Arnab Das, da Roubini Global Economics (RGE).
Mobius, que administra cerca de US$ 25 bilhões em ativos de países em desenvolvimento, como presidente da Templeton Asset Management, disse que uma queda de 20% nas ações é "bastante possível".
A volatilidade das Bolsas e a aversão aos riscos deverão crescer, segundo Das, diretor de pesquisa de mercado e estratégia da RGE, consultoria fundada por Nouriel Roubini.
As ações recuaram e os bônus dos governos subiram após a Dubai World, empresa de investimento do governo daquele emirado, com uma dívida de US$ 59 bilhões, procurar adiar os pagamentos de suas dívidas.
"Isto pode ser o gatilho para permitir que o mercado descanse e recue", disse Mobius em uma entrevista dada à Bloomberg Television por telefone, de Hanói. "Eu sentia que haveria uma correção significativa no que está acontecendo no mercado altista", disse ele. "Se Dubai tiver que dar o calote, isto pode dar início a uma série de calotes em outras áreas."
O Índice MSCI de Mercados Emergentes subiu cerca de 65% neste ano, mais do que o dobro do avanço dos mercados desenvolvidos, uma vez que a alta das commodities fortaleceu as ações de diversos países, do Brasil à Rússia.
"Uma correção de 20% não é rara em um mercado altista como este, de forma que é bastante possível, e nós devemos ficar prontos para isso", disse Mobius. "Não há como uma pessoa que possa prever especificamente quando e qual a extensão, mas sem dúvida haverá correções ao longo do caminho", acrescentou.
O recuo dos mercados emergentes deverá ser composto pela desvalorização da moeda do Vietnã e por uma "avalanche" de vendas iniciais de ações, disse Mobius.
O novo imbróglio financeiro começou na noite de quarta-feira, quando surgiu a informação de que o Dubai World pediria moratória de sua dívida, estimada em US$ 59 bilhões, por seis meses.
Com o temor de que grandes instituições financeiras europeias e asiáticas estivessem muito expostas a essa dívida, os mercados desabaram na quinta-feira. A Bovespa não conseguiu se isolar e encerrou as operações na quinta em baixa de 2,25%, enquanto a Bolsa de Londres recuou 3,18%; a de Frankfurt, 3,25%; e a de Paris, 3,41%. O mercado dos EUA estava fechado por causa do feriado de Ação de Graças.
Na sexta-feira, houve recuperação nos mercados do Brasil (a Bovespa subiu 1%) e da Europa, enquanto a Bolsa de Nova York, recuou 1,48% (índice Dow Jones).
Instituições financeiras britânicas tinham emprestados US$ 50 bilhões para empresas da região em 2008, de um total de US$ 123 bilhões concedidos pelos bancos estrangeiros, segundo o BIS (Banco para Compensações Internacionais).
O HSBC, o maior banco da Europa, é o que aparece como mais exposto a possíveis dívidas de Dubai, com US$ 17 bilhões em empréstimo.
No sábado, Abu Dabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, aos quais pertence Dubai, disse que poderá ajudar o emirado, o que poderá trazer alívio aos mercados hoje.

Consumidor acessa crédito mais barato

30 de novembro de 2009

Folha de S.Paulo (SP)

Com expansão do crédito, cai uso de empréstimos no cheque especial, mais caros, e cresce o de formas mais baratas

Nos últimos 3 meses, uso de crédito pessoal, de veículos e consignado avança até 8%, enquanto cheque especial cresce apenas 1%

EDUARDO CUCOLO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A normalização no mercado brasileiro de crédito tem ajudado muitos consumidores a trocar por modalidades de empréstimo com juros menores o cheque especial. Segundo dados do Banco Central, essa é a modalidade de financiamento que perdeu mais força neste ano, quando os bancos voltaram a abrir as portas para clientes que até então só podiam acessar essa linha emergencial.
No começo do último trimestre de 2008, após a quebra do banco americano Lehman Brothers, o Brasil sofreu uma redução de quase 10% na disponibilidade de crédito só no segmento pessoa física.
Naquela época, sem ter como renovar empréstimos antigos ou buscar novas linhas, muitos consumidores tiveram de recorrer ao cheque especial.
Entre outubro e dezembro do ano passado, por exemplo, mais de 43% dos novos empréstimos para pessoa física estavam relacionados a essa modalidade. Um ano depois, com o mercado de empréstimos voltando a crescer, esse percentual recuou para 37%.
Essa migração ocorreu, principalmente, para linhas como crédito pessoal, consignado e veículos. Nos últimos três meses, o total de dívidas no cheque especial cresceu apenas 1% e soma hoje R$ 17,4 bilhões. Nessas outras modalidades, o avanço ficou entre 6% e 8%.
"Nós tivemos um período, até março, em que os bancos botaram o pé no freio, e não sobraram muitas opções de crédito além das linhas pré-aprovadas, como o cheque especial e o rotativo do cartão de crédito. Agora, vem crescendo a oferta dessas linhas mais baratas, com uma maior competição entre as instituições financeiras", diz o vice-presidente da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças), Miguel José de Oliveira.
Os dados do BC mostram que as taxas de juros tiveram queda nessa modalidade na mesma comparação. O custo do cheque especial chegou a quase 175% ao ano em dezembro e, embora continue entre as taxas mais caras, recuou para 160% ao ano dez meses depois.
Essa diferença em relação às taxas de outras linhas -cerca de 45% ao ano no crédito pessoal, por exemplo- se deve também ao custo de manter esse dinheiro disponível para os clientes a qualquer momento, independentemente de ele ser ou não utilizado.

Só para emergências
Segundo o economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do BC, o cheque especial não deve ser usado como fonte de financiamento, mas só como um instrumento emergencial até que seja possível obter uma linha mais adequada e barata. "O cheque especial serve para cobrir problemas de caixa por um período muito curto, um ou dois dias, mas as pessoas usam isso como uma fonte de crédito, o que é um erro", diz Freitas.
Uma queda maior nessa taxa depende agora da normalização em outro indicador de crédito que ainda apresenta resultados bem ruins: a inadimplência. Hoje, mais de 12% desses empréstimos estão vencidos há mais de 90 dias, critério do sistema financeiro para definir inadimplência. Ainda há outros 4% de recursos cujo pagamento apresenta atraso de entre 15 e 90 dias. Esses indicadores estão cerca de 20% acima do registrado há um ano.
A expectativa da maioria dos analistas, porém, é que a migração para linhas mais baratas ajude a melhorar os indicadores até o início de 2010, já que esse é um dos últimos sinais de recuperação a aparecer nas estatísticas de crédito.

26.11.09

Indústria não se recuperou, diz professor da PUC

26 de novembro de 2009

O Globo (RJ)

Setores beneficiados são empregadores e a importação é baixa


O professor da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda é voz dissonante entre os economistas ouvidos pelo GLOBO. Para ele, a indústria brasileira não voltou a produzir como no período anterior à crise (setembro de 2008) e ainda está muito abaixo daquele patamar de pico da expansão da economia.

Além disso, ele afirma que os investimentos ainda não reagiram, aprovando a extensão dos benefícios fiscais.

— O governo finalmente está percebendo que diminuir tributação não significa queda de arrecadação, por estimular a demanda. O ideal era baixar as alíquotas de todos os setores.

A arrecadação subiria com o aumento das vendas.

Para ele, os setores escolhidos pelo governo são adequados.

Na construção civil, o baixo conteúdo importado e a alta absorção de mão de obra explicariam a prorrogação da redução da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). E o mesmo raciocínio caberia ao setor de móveis: muito empregador e pouco importador.


Consumo estimula o investimento, diz Lacerda


Para o economista, um paradigma está sendo quebrado no Brasil. Ao estimular o consumo, o governo “provoca o espírito empreendedor”: — Criam-se condições favoráveis para que o investimento se realize, com crescimento sustentável.

Ao contrário dos colegas, Lacerda não vê risco de descontrole inflacionário em 2010 e 2011, já que ainda há capacidade ociosa na economia.

O grande desafio ainda é desonerar os investimentos.

Segundo ele, os benefícios dados para aquisição de máquinas e equipamentos continuam insuficientes.

— Ainda há muita gordura para queimar para chegar mais próximo aos padrões internacionais — afirma.

Mas Lacerda reclama do real valorizado, que tira a competitividade da produção nacional, com inundação de importados.

A preocupação com o déficit nas transações correntes (conta do Brasil com o resto do mundo) também é a de outros economistas, mas por outros motivos. Com a produção sem condições de atender ao consumo em alta, afirmam, a saída será importar, piorando o resultado na balança comercial.



(Cássia Almeida)

É hora de desmontar estímulos, dizem analistas

26 de novembro de 2009

O Globo (RJ)

Segundo economistas, ampliar as isenções pode trazer inflação, problemas na balança comercial e subida de juros


Cássia Almeida


A TODO VAPOR: Especialista ressalta que situação do Brasil é diferente daquela na Espanha, que está em recessão


A economia brasileira está em plena recuperação, as montadoras colecionam recordes de venda e os preços dos imóveis estão em alta. Esses fatores não recomendariam aumento das isenções fiscais, como as anunciadas pelo governo esta semana para os carros flex, a prorrogação de redução de IPI para materiais de construção e isenção total para os móveis. Segundo o economista Joaquim Elói Cirne de Toledo, as vendas de carro estão explodindo e a construção residencial tem o programa Minha Casa, Minha Vida: — Está mais do que na hora de tirar os estímulos para aquisição de veículos. O BC já se preocupa com o crescimento rápido.

O economista Paulo Levy, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também afirma que o ideal é abrir espaço para o investimento crescer. O estímulo ao consumo por isenções e crédito, fará a economia rapidamente bater no teto da capacidade.

— E o investimento vai adicionar mais demanda na economia.

Pode obrigar o Banco Central a rever, ainda que de forma transitória, a política monetária (atualmente, o BC está mantendo a taxa de juros).

Para Levy, o objetivo da prorrogação de IPI para os carros flex é mais uma política ambiental que econômica.

Alexandre Maia, economistachefe da GAP Asset, vê “sinais abundantes de uma recuperação forte em curso”. E, no ano que vem, a economia deve acelerar ainda mais com o efeito defasado da queda da Taxa Selic, que passou de 13,75% ao ano em dezembro de 2008 para 8,75%.

— A discussão sobre os estímulos já deveria ter mudado de direção. Há risco de desequilíbrios, como inflação e problemas na balança comercial, com alta de juros.

Para Cirne de Toledo, a situação do Brasil é bem diferente da de países como a Espanha, que está em recessão: — E o desempenho fiscal não é dos melhores. Não consigo de forma alguma achar razoável essa medida no Brasil. Se estivéssemos na Espanha... Houve uma mudança de postura na política fiscal do governo, aquecendo a economia pela via fiscal.

A crise eliminou a resistência a esse tipo de política

Preço de terras sobe 5% em um ano, mesmo com a crise

26 de novembro de 2009

DCI (SP)

Priscila Machado


SÃO PAULO - Após um ano do início da crise financeira mundial, os preços das terras agrícolas no Brasil voltam a se valorizar mesmo com as cotações estagnadas para a maioria das commodities. O efeito cambial não deverá ser um fator inibidor da tendência já que grande parte da liquidez do mercado de terras no País tem vindo de fora, com os investimentos de grupos estrangeiros.

Um levantamento feito pela AgraFNP revelou que o preço médio das terras no Brasil no bimestre setembro-outubro de 2009 foi de R$ 4.548 por hectare, valor 5,04% acima daqueles praticados há 12 meses (R$ 4.330 em novembro-dezembro de 2008). Em relação ao bimestre julho-agosto de 2009, a alta é de 1,25%. Já na comparação com o início da safra 2006/2007, quando o setor de grãos saía da sua última grande crise, a valorização média das terras no País foi de 43,9%, o que com uma inflação de 17,54% acumulada no período, refletiu em um ganho real de 8,1%.

As áreas de maior expansão continuam sendo as de fronteira agrícola, especialmente a região conhecida como Mapito - Maranhão, Piauí e Tocantins.

De acordo com Jacqueline Bierhals, analista do mercado de terras na AgraFNP, a maior demanda tem sido de produtores de grãos que buscam terras que já tenham um bom potencial produtivo. "Além do centro-oeste, que sempre tem mercado, a procura agora é por regiões de fronteira agrícola", disse. Segundo a analista, a crise havia esfriado a procura no Maranhão e Tocantins, mas com a retomada, as vantagens competitivas que a região tinha continuam valendo e a valorização tem se mostrado constante e fundamentada.

Bierhals destacou, no entanto, que a Bahia, que comumente era citada junto com outros estados promissores, dá sinais de já ter encontrado um teto para os preços praticados na região. "De forma geral, a gente conseguiu perceber o mercado voltando a ficar aquecido, isso se concentra em algumas regiões, não é um movimento homogênio", avaliou a analista da AgraFNP.

A Região Sul continua apresentando as maiores cotações para as terras agrícolas. Nos últimos 12 meses, o preço do hectare na região saltou de R$ 8.495 para R$ 9.275. Em termos de valorização, os três estados do sul do País também apresentam o maior percentual, mesmo com os efeitos climáticos danosos nas duas últimas safras. "A questão do clima ainda tem um impacto muito marginal. Apesar da recorrência dos problemas climáticos, isso não é novidade para o mercado. O produtor conhece as regiões de risco e, de maneira geral, isto já está muito bem precificado", explica Bierhals.

Seguindo a Região Sul, os maiores preços por hectare estão no sudeste (R$ 7.853), centro-oeste (R$ 3.424), nordeste (R$ 2.020) e norte (R$ 1.418). Apesar do bom desempenho no sudeste, a analista da AgraFNP alertou para o fato de que o Estado de São Paulo poderá ter um crescimento limitado. Isso porque a procura por terras para o cultivo da cana-de-açúcar dá sinais de desaceleração na região.

Do lado dos grãos, o movimento altista nos preços das terras é visto com surpresa uma vez que as cotações de commodities como milho e soja, principais sinalizadoras de preços para as terras, seguiram estagnados nos últimos meses. A AgraFNP destaca que é época de entressafra de soja no Brasil, mas os preços do grão estão mais baixos que há alguns meses, uma vez que tradings e esmagadoras têm seus estoques compostos. O Indicador Cepea/Esalq (média de cinco regiões do Paraná) da soja em grão teve queda de 2,13% na última semana, fechando a R$ 43,5 por saca. Este Indicador é o menor valor deste ano.

O milho, por sua vez, também continua dependente das intervenções governamentais para escoamento da produção. Os preços do grão voltaram a cair nos últimos dias, pressionados pelo menor interesse comprador. Além disso, de acordo com pesquisas do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), os prazos de pagamento nos negócios efetivos também aumentaram. Especialmente em outubro, compradores adquiriram maiores volumes de milho para atendimento das necessidades até final do ano.

Recuperação à vista

26 de novembro de 2009

Valor Economico (SP)

Enquanto serviço e comércio largam à frente na retomada do lucro, a indústria retoma mais vagarosamente o nível do ano passado.

Por João Villaverde, de São Paulo

O desempenho operacional das empresas de capital aberto no quarto trimestre deste ano deverá voltar ao patamar em que estava antes do acirramento da crise mundial, em setembro de 2008. Segundo estudo realizado pela Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) com 222 companhias abertas não financeiras, do ponto de vista estritamente do resultado da atividade das empresas, a relação lucro sobre receita líquida recuou de 21,7% no terceiro trimestre de 2008 para 14% no segundo trimestre deste ano, por causa da crise. Mas a relação já melhorou no período de julho a setembro, subindo para 17,5%.

Essa recuperação indica, "efetivamente", sugere o levantamento, que a retomada do crescimento da economia brasileira está "melhorando a situação das empresas". Há, no entanto, disparidade entre setores. Enquanto serviços e comércio largam à frente nos investimentos e na recuperação do lucro, a indústria retoma mais vagarosamente o nível do ano passado.

As 138 indústrias ouvidas pela Fundap viram a receita líquida mergulhar dos R$ 178,2 bilhões alcançados no terceiro trimestre de 2008 para R$ 136,3 bilhões no segundo trimestre deste ano. A indústria ainda não recuperou o nível de receitas do pré-crise. Segundo a pesquisa, no último trimestre a receita líquida do setor foi de R$ 148,5 bilhões - 16,6% menor que em igual período de 2008.

Na mesma comparação, as empresas de comércio e serviços ampliaram as margens. As receitas de vendas das 71 companhias do ramo de serviços cresceram de R$ 62,7 bilhões no pré-crise para R$ 69,2 bilhões no último trimestre. Da mesma forma, as 13 empresas de comércio presentes no estudo tiveram receitas 20,5% maiores entre julho e setembro sobre igual período do ano passado, para R$ 14,1 bilhões (veja quadro acima).

Para Geraldo Biasoto, diretor executivo da Fundap, as empresas estão terminando o processo de recomposição econômica. "Fecharemos o ano com uma situação muito próxima à que tínhamos antes da crise." Segundo o economista, o principal fator para a recuperação está na melhora da condição financeira das companhias, com a valorização do real neste ano. As dívidas das empresas - não apenas de curto prazo, mas sim todo o estoque de endividamento - subiram muito nos últimos meses do ano passado com o repique da taxa de câmbio.

Além disso, afirma, as operações com derivativos cambiais efetuadas nos mercados futuros também causaram danos aos balanços. "Se não fossem os problemas com derivativos, poderíamos ter antecipado esse retorno ao nível pré-crise mais cedo. É uma situação complexa, porque, com o real naquele patamar que estava antes das turbulências mundiais, as indústrias não sobreviveriam, pois sofreriam com exportações menos competitivas e, ao mesmo tempo, com importados mais baratos", avalia.

O dólar chegou a bater R$ 1,55 em agosto do ano passado, antes de subir a R$ 2,62 em dezembro, fechando 2008 a R$ 2,33 - uma variação total de 50,3% em três meses. A elevação da cotação torna o endividamento externo mais elevado, uma vez que é preciso mais reais para pagar o mesmo montante em dólares.

Gustavo Gazaneo, gestor de renda fixa e variável da SLW Asset Management, avalia que o nível de endividamento externo não era elevado e, por isso, o repique no câmbio não seria suficiente para alterar a trajetória das companhias. "A crise pela qual o Brasil passou foi mais tranquila que as anteriores justamente porque as empresas estavam bem posicionadas em termos de dívida. Antigamente, as empresas tinham mais empréstimos contraídos no exterior", afirma. O que influenciou a derrocada dos mercados, segundo Gazaneo, foi a grande exposição de empresas a derivativos. "Eram poucas empresas com operações enormes, e não o contrário. Por isso, foi mais fácil contornar", avalia.

Para Biasoto, da Fundap, o quarto trimestre deste ano será "muito melhor" que o mesmo período do ano passado por conta da despesa financeira. "Até agora nós temos visto a melhoria produtiva, o lado real das empresas. Neste trimestre, além disso, temos uma situação cambial amplamente favorável ao rolamento do passivo externo das companhias. A comparação com o ano passado será arrasadora."

O problema, avalia o diretor da Fundap, está no longo prazo. Há perda de participação da indústria no cômputo geral do PIB, um processo que, segundo ele, foi intensificado após a crise. "Em geral, a indústria comanda o processo e tudo que acontece ao lado vai a reboque. Hoje, porém, parece que serviços têm certa independência da indústria. Há um processo claro de desindustrialização", diz. A partir de 2010, acredita, haverá concentração ainda maior em serviços.

Para Gazaneo, o país deixa a crise com alguns consensos consolidados. "Temos um enorme mercado doméstico, um setor de serviços muito forte e uma indústria especializada na exportação de commodities agrícolas e metálicas." Segundo ele, o principal fator para a retomada das empresas está na força do mercado interno, impulsionado pelas medidas do governo. "O consumo interno e a atitude do governo federal aceleraram a retomada das companhias, o que aumentou os fluxos para a bolsa, criando um movimento virtuoso que desemboca em 2010", afirma.