Para o brasileiro Alessandro Bonorino, vice-presidente mundial para recrutamento da IBM, falta ao País ambição e planejamento com relação à qualificação dos trabalhadores
Se há algo que Alessandro Bonorino conhece são
trabalhadores. Trabalhadores qualificados em todo o mundo.
Vice-presidente mundial para recrutamento da IBM, empresa com 420 mil
funcionários, cabe ao brasileiro Bonorino, 42 anos, traçar estratégias e
políticas para buscar, atrair e reter os melhores profissionais em 170
países do mundo, numa área na qual eles são disputados a tapa:
tecnologia.
Bonorino acaba de voltar de uma temporada de
dois anos na China, sede da IBM para mercados emergentes. Ao conhecer
mais de perto o mercado asiático, sua visão do Brasil mudou: “quando
estamos aqui temos a impressão de que o País está crescendo, e de fato
está melhorando”, diz ele. “Mas não de maneira suficiente.” A pouca
qualificação, somada aos altos encargos e à falta de objetivos
estabelecidos pelo governo para o longo prazo criam alguns dos
principais gargalhos para nosso crescimento, acredita. “Nós ficamos o
tempo inteiro, consistentemente reagindo”, afirma. “Estamos resolvendo
problemas ao invés de pensar em projeções para o futuro”
Confira os principais trechos da entrevista que Alessandro Bonorino concedeu ao iG .
iG: Um trabalhador brasileiro dedica mais horas ao trabalho do que a população da maioria dos países ricos, em contra partida, gera pouco mais de 20% da riqueza gerada por um trabalhador americano ao ano . Por que a produtividade do nosso trabalho é tão baixa? O que nos falta?
Alessandro Bonorino: Temos problemas de infraestrutura, investimento e educação. Na verdade, é difícil comparar força de trabalho, porque depende do setor e de uma série de outros fatores. Mas, o Brasil está chegando a um gargalo crítico na educação. Em comparação com a Ásia, estamos atrás na maioria dos índices internacionais. A Coreia, por exemplo, está se transformando com foco em inovação, com marcas multinacionais de sucesso e tudo isso passa pelo investimento pesado em educação. O progresso da Índia nos últimos anos também tem o mesmo motivo. Hoje, a Índia é um centro de serviço para grande parte das empresas multinacionais. Não só porque a população é enorme, ou porque o custo da mão de obra é baixo, mas porque tem o foco em desenvolver pessoas, especialmente em tecnologia.
iG: O trabalhador brasileiro custa caro?
Bonorino: O trabalhador brasileiro não tem formação, mas ganha um salário de um trabalhador com formação, é relativamente caro. Quando eu saí do Brasil, o déficit de população formada em tecnologia da informação era de 100 mil, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom). São números assustadores, você olha e pensa “como mudar essa situação?”. A combinação de falta de escolaridade e elevados encargos sociais aumenta o custo da mão de obra de forma desproporcional, o que faz com que se perca competitividade. Não é só o custo de infraestrutura, o custo Brasil, mas o custo de nossa mão de obra fica descompassado. Isso traz problemas de competitividade internacional, porque tem alguém que vai fazer melhor e mais barato em algum lugar. Ao invés de comprar o produto brasileiro você pode comprar da China, do Vietnã.
iG: Depois de sua experiência na Ásia, você consegue fazer uma comparação entre o Brasil e outros mercados emergentes?
Bonorino: Você vê que eles partiram de padrões até inferiores aos que existiam no Brasil em décadas passadas, e fica um pouco decepcionado. O Brasil está melhorando, mas não o suficiente, poderia melhorar mais. Na Malásia, criou-se uma agência com membros do governo e do empresariado que discutem estrategicamente como formar talentos para o país alcançar padrões desenvolvidos até 2020. Fiquei até chateado quando saí de lá, porque apesar da minha posição mundial na empresa, sou brasileiro. E por que não temos um plano estratégico assim no Brasil, por que não temos uma visão em longo prazo? Nós ficamos o tempo inteiro, consistentemente reagindo. Estamos resolvendo problemas ao invés de pensar em projeções para o futuro. Temos visões, mas falta ambição, somos uma das maiores economias do mundo e não fazemos nada para manter essa posição e nosso lugar de destaque e liderança.
iG: Na falta de uma visão clara a longo prazo do Estado, cabe às empresas ter esse objetivo e treinar seus funcionários?
Bonorino: Isso acaba sendo uma necessidade de sobrevivência. Não só treinando seus funcionários, mas ajudando a treinar o mercado, influenciando a academia e o ecossistema educacional. Aqui no Brasil, a IBM tem parcerias educacionais com escolas técnicas, com universidades e faculdades. Existe um trabalho em conjunto com instituições de ensino, além do foco interno no desenvolvimento dos profissionais. Não é possível continuar crescendo sem os investimentos e os recursos necessários para dar suporte à visão estratégica.
iG: Em outros países a parceria com instituições de ensino não é necessária?
Bonorino: Esse trabalho é necessário mundialmente. O governo e as instituições de ensino têm de estar juntos. Mas, o Brasil precisa mais e tem mais por fazer. A visão educacional e do desenvolvimento organizacional brasileiros progrediu, não podemos negar isso, mas ainda está aquém do que poderia ser. Esse é um dos potenciais gargalos que pode levar o Brasil a uma desaceleração. Estamos quase no pleno emprego, com apenas 6% da nossa população desempregada. Não dá mais para compensar o problema incorporando gente à produção, precisamos acelerar nossa produtividade de maneira sustentada.
iG: Esses profissionais não estão capacitados, mas estão empregados. Como explicar isso?
Bonorino: As empresas têm de desenvolvê-los. Agora é preciso preparar os funcionários quando eles entram na empresa. A IBM, por exemplo, tem muito investimento nisso, o que aumenta indiretamente o custo da mão de obra. As pessoas podiam estar mais prontas, sem dúvida nenhuma.
iG: Por que nosso país forma menos engenheiros, matemáticos, técnicos e estatísticos? É uma questão cultural?
Bonorino: De fato, há um descasamento entre oferta e demanda no mercado de trabalho. Na Índia, forma-se dez vezes mais gente na área de tecnologia, informação e engenharia e eles não são dez vezes maiores. Lá, houve um grande trabalho para vender a área de tecnologia da informação como importante. É preciso mostrar que o mundo da tecnologia é interessante, divertido, inovativo para começar a despertar o interesse nessas áreas. No Brasil, o número de horas dedicadas às ciências quando a criança está no ensino fundamental é menor do que em outros países.
iG: A falta de investimento em educação resulta em um menor potencial de inovação nos brasileiros?
Bonorino: Aqui surge inovação, temos produção de tecnologia e profissionais muito capacitados. Um profissional muito famoso na IBM mundial é o Jean Paul Jacob, um engenheiro eletrônico brasileiro-belga.
iG: Esse brasileiro que tem talento e pensa em inovação é o ponto fora da curva? É o fruto de nossa desigualdade?
Bonorino: Não, não acho que é o ponto fora da curva. O brasileiro tem a característica de inovar, de sobreviver em um ambiente com dificuldades. Poderíamos inovar muito mais se os gargalhos de infraestrutura e educação fossem resolvidos, geraríamos mais inovação de forma estruturada e diferente. Até o brasileiro que não tem acesso à educação está inovando para sobreviver. Somos inovadores por natureza, é algo cultural. Faltam condições e disciplina (uma palavra que os brasileiros não gostam muito) para que isso gere mais benefícios econômicos.
iG: Então, o que acontece? Nosso governo está cego pelo otimismo?
Bonorino: Estamos progredindo, mas falta visão de longo prazo, do que queremos ser daqui a cinco anos. Reagimos demais. Se a carga tributária está muito alta, vai lá e faz um pacote para resolver a carga tributária, se tem problema nos aeroportos, vai lá e toma uma medida. Qual é o trabalho de visão que fazemos? Não projetamos a economia que vamos ser. Tem uma série de iniciativas, mas deveria ser mais agressivo, mais amplo, mais coordenado e estruturado com nossas empresas.
iG: Muitos brasileiros estão se tornando líderes na América Latina ou globalmente. Por que as empresas querem os brasileiros na liderança?
Bonorino: Apesar dos obstáculos e desvantagens de infraestrutura e nível educacional que o Brasil tem, temos a vantagem de agregar e integrar mais fácil, ser mais suscetíveis às diferenças. É uma generalização, mas de maneira geral, as raízes culturais como falta de guerra geram pessoas com essa vantagem competitiva. Além disso, viemos de uma geração que vivenciou transformações muito importantes. Na minha carreira, vivi inflação de 50% ao mês, crise e fase de crescimento. Essa vivência de vários ciclos econômicos, vários desafios, aliado aos nossos centros de referência em educação e nossa habilidade de inovar, fazem com que muitos executivos brasileiros tenham bastante sucesso e continuem crescendo fora do país.
iG: A explosão da classe média nos Estados Unidos foi consequência do aumento da produtividade, seguido do natural aumentos dos salários. No Brasil, a que se deve o fenômeno da nova classe média?
Bonorino: Esse é um fenômeno de inserção importantíssimo, muitos países estão fazendo isso. Só que essa estratégia chega a um limite. A inserção de novos trabalhadores e consumidores num mercado formal acelera o crescimento, mas em algum momento quase todos já estarão inseridos. Aí o delta vai ser produtividade. O país cresceu, a classe média cresceu, mas e depois da inserção, o que fazer?
iG: A visão dos estrangeiros sobre o Brasil mudou?
Bonorino: O Brasil ainda é visto como um emergente com grande potencial de crescimento. Mas, há dúvidas sobre sua capacidade de crescimento sustentável e estruturado. O Brasil vai realmente acompanhar os outros emergentes que estão crescendo de forma mais agressiva? Existem perguntas. O olhar não é o mesmo, Existe uma expectativa muito grande, mas temos que fazer mais e melhor. Já progredimos, mas podemos progredir mais.
Fonte: http://economia.ig.com.br/empresas/2012-10-29/alguem-vai-fazer-melhor-e-mais-barato-em-algum-lugar.html