Com
tecnologia própria, o Brasil pode em breve dar uma contribuição significativa
no combate à Aids no planeta. Desde 2002, um grupo de pesquisadores da
Faculdade de Medicina da USP tem obtido resultados concretos com experimentos
em animais para finalmente desenvolver uma vacina contra a doença – a chamada
HIVBr18. A fase final das pesquisas, que depende de testes em macacos e
humanos, no entanto, ainda depende de vultuosos recursos financeiros.
A solução para este impasse financeiro pode
estar em um edital do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fapesp.
Em breve, o órgão de fomento à pesquisa no estado de São Paulo decidirá se
aprovará um financiamento de 4 milhões de reais por ano, durante 11 anos de
pesquisa, quantia suficiente para fazer a pesquisa deslanchar.
Enquanto
isso, a equipe já mantém um acordo firmado com o Instituto Butantã para
realizar um teste piloto da vacina na colônia de macacos Rhesus do Instituto. O
teste com os animais deve começar até o final de 2012, com os recursos que a
equipe já recebe do Instituto para Investigação em Imunologia, um dos
Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT). “Antes de fazermos teste
com os macacos Rhesus, ninguém presta muita atenção. Mas se conseguirmos
completar esta etapa, as chances de financiamento podem aumentar”, prevê com
otimismo o professor Edecio Cunha Neto, um dos coordenadores do grupo.
No ritmo atual de investimento, os primeiros
testes-piloto com macacos devem acabar até o final de 2013. Cunha Neto explica
que a escassez de investimento privado está relacionada à dificuldade em se
criar uma vacina que para um vírus que sofre um alto número de mutações. “O
risco de se fazer um investimento milionário em vacinas contra Aids que acabam
se mostrando ineficazes é enorme. Por isso, nenhuma empresa se arrisca e
ficamos dependentes do apoio das agências de fomento públicas”, argumenta.
A AIDS, contudo, não é a única doença em que
a prevenção através de medicamentos é negligenciada pelos laboratórios
privados. Muitas doenças que acometem os brasileiros, como a malária, a
esquistossomose e a doença de chagas não são consideradas economicamente
interessantes para os laboratórios, já que atingem regiões pobres do planeta.
Nesse sentido, caso a linha de
crédito do programa Cepid-Fapesp seja aprovada, o grupo de pesquisa a que
Cunha Neto pertence trabalhará no desenvolvimento de vacinas inexistentes por
meio da criação do Centro de Novas Vacinas (CeNOVA).
“Muito além de procurar a vacina para a
Aids, o projeto CeNOVA significa a capacidade do Brasil de fazer parte do
pool dos poucos países que possuem a estrutura para desenvolver novas vacinas inovadoras”,
conta Edecio. Com essa estrutura permanente, o professor defende que o País
terá o potencial para estudar e combater uma eventual nova epidemia e “sem
depender de ninguém”. As vacinas desenvolvidas pelo grupo combaterão oito
doenças – HIV, Tuberculose, Dengue, malária, HPV, Febre Reumática, Leptospirose
e a bactéria Pneumococo.
Segundo a
OMS, atualmente, existem 34,2 milhões de pessoas com o HIV em todo o mundo,
sendo que somente no ano passado cerca 2,5 milhões de pessoas foram infectadas.
Funcionamento
da vacina
A prevenção do vírus HIV é de extrema
complexidade devido ao alto número de mutações que o vírus constantemente
sofre. É por essa razão que o próprio sistema imunológico humano não encontra
formas de combater o vírus. A partir disso, a equipe identificou regiões do
vírus que são conservadas e comuns a todos os tipos e mutações do vírus, para,
assim, permitir a criação da vacina. “Sabe-se que o vírus do HIV possui de 20 a
35% de diferença entre um vírus e outro. Após determinarmos as regiões comuns,
trabalhamos em ter respostas imunes dirigidas a muitas regiões conservadas do
vírus. Assim, conseguimos assegurar que a vacina gere repostas imunes eficazes
contra a grande maioria dos vírus que uma pessoa possa se expor”, diz Cunha
Neto.
Em um grupo estudado pela equipe da FMUSP
formado pessoas que jamais tomaram a vacina, foram detectados 18 tipos de
fragmentos de DNA conservados do HIV (que não mudam). O grupo constatou que o
sistema imunológico de 90% dos pacientes infectados pelo vírus já respondiam a
esses fragmentos naturalmente (ou seja, detectavam os fragmentos e os
combatiam); os outros 10%, no entanto, já se encontravam com o sistema imune
debilitado demais para reagir.
Nos testes com animais feitos até agora, a
HIVBr18 já foi capaz de induzir uma potente resposta imune, com características
parecidas com as outras vacinas eficazes contra outros vírus. No entanto, como
os testes só foram realizados em camundongos, normais ou geneticamente
modificados, os dados ainda são considerados insuficientes.
“Nossa vacina foi capaz de combinar e
potencializar a ação de duas células do sistema imunológico humano: a CD8 – que
destrói as células infectadas pelo HIV – e a CD4 – que fortalece o sistema
imune através da produção de anticorpos e potencializa o efeito das células
CD8”, conta Edecio. “Isso é um avanço muito importante.”
Segundo ele, no estágio atual, a pesquisa não
trabalha para a eliminação do vírus, mas sim para que o infectado pelo HIV não
evolua para os sintomas da Aids. “Trabalhamos para que a pessoa não desenvolva
a imunodeficiência e para que o vírus fique em taxas baixas no organismo, o que
impede a sua transmissão”, explica.
De acordo com o professor, isso é possível
porque a vacina HIVBr18, além de reforçar as células que combatem o vírus,
também pode ser capaz de melhorar a resposta de “anticorpos neutralizantes”. Ou
seja, anticorpos que recobrem as proteínas que permitem que o HIV penetre nas
células, formando, dessa forma, uma espécie de barreira que impede o vírus de
contaminar as células. Atualmente, esta etapa da pesquisa é desenvolvida em
parceria com a médica Daniela Santoro Rosa, da Unifesp.
Próximos
passos
Após os testes em macacos, ainda será
necessário testar o medicamento em humanos, o que, se levado até as últimas
etapas, custará algo em torno de 100 milhões de dólares. O risco é alto. “O
último exemplo foi da vacina das Indústrias Merck, que fracassou no teste em
humanos. Por isso, é preciso ter dados muito consistentes no estudo em animais
para atrair o interesse de empresas que invistam nas etapas mais onerosas do
desenvolvimento”, diz Cunha Neto.
Nos dez anos de pesquisas do grupo, já foi
gasto cerca de 1 milhão de reais. A tecnologia obtida até o momento com o
desenvolvimento da vacina já foi patenteada no Brasil e nos Estados Unidos e
tem como co-inventores o professor Jorge Kalil e a doutora Simone Fonseca, além
do próprio professor Edecio Cunha Neto, todos da FMUSP.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/saude/brasil-busca-passo-decisivo-em-vacina-contra-aids/