31.3.10

Cenário é favorável ao Brasil, mas ritmo do PIB ainda preocupa

Valor Economico (SP)

Conjuntura: Em ano eleitoral, baixo investimento e pressão inflacionária lideram lista de riscos do país

Chico Santos e Rafael Rosas, do Rio


O otimismo quanto à permanência de ventos favoráveis sobre a economia brasileira neste ano eleitoral e nos próximos dominou a mesa de debates do seminário "Cenários da Economia Brasileira e Mundial em 2010", organizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) com o apoio da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e do Valor.

Alexandre Schwartsman, economista-chefe do banco Santander, vê um "o cenário muito favorável", mas alerta para o risco de o país seguir crescendo a taxas muito altas (7% ao ano nos últimos trimestres de 2009) para sua capacidade de suprir a demanda sem desequilíbrio inflacionário. Para ele, "o mais razoável é na casa de 4,5%".

"A ideia é tentar moderar o crescimento da demanda para colocá-la em linha com alguma coisa que seja sustentável ao longo de muito tempo, e não muito forte ao longo de pouco tempo", ponderou Schwartsman. Aos jornalistas, disse que, alinhado com a mesma preocupação, o Banco Central (BC) deverá elevar a taxa de juros básica (Selic) em pelo menos 0,5 ponto percentual em abril, podendo a Selic chegar ao final deste ano em 11,75% (está hoje em 8,75%).

Apesar da preocupação com o ritmo do crescimento, o economista do Santander disse que os indicadores de aumento do uso da capacidade instalada da indústria têm sido acompanhados pela elevação dos investimentos. Para Schwartsman, a economia não está tão sobreaquecida quanto esteve em 2008, mas a folga acumulada com a crise de 2009 "já acabou ou acaba ao longo de 2010".

Ele disse ainda que a recuperação econômica da América Latina está levando a que os produtos manufaturados voltem a liderar o crescimento das exportações brasileiras. Schwartsman destacou que a América Latina representa só 20% das vendas do Brasil, mas responde por 40% das exportações de manufaturas.

O economista Marcelo Neri, especialista em políticas sociais da FGV, após mostrar dados apontando uma redução do percentual de pobres no Brasil de 34,96% em 1992 para 16,02% em 2008, com aceleração maior a partir de 2003, disse que do ponto de vista dos indicadores de pobreza a crise terminou há muito tempo, tanto que quando são computados os dados dos 12 meses terminados em fevereiro deste ano os indicadores já são favoráveis . "Os resultados continuarão a ser colhidos nos próximos cinco anos", afirmou Neri.

Ele destacou o crescimento da chamada "nova classe média" - a "classe C" - e disse que a redução da pobreza deu-se não apenas por conta dos programas sociais, como o Bolsa Família, e dos benefícios previdenciários, mas, principalmente, pelo aumento da renda do trabalho. "A redução (da desigualdade) foi dois terços pelo trabalho e um terço pela Previdência e o Bolsa Família", afirmou.

O economista Flavio Castelo Branco, diretor da Unidade de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), apresentou um cenário mais cauteloso, apesar de reconhecer avanços. Após alertar para os desequilíbrios estruturais ainda não atacados por estarem "congelados pelo crescimento econômico", Castelo Branco disse que é preciso elevar a taxa de poupança doméstica para dar sustentação ao aumento da taxa de investimentos. "Não sei se para 25% ou 22%. Mas não pode ficar nos atuais 18% (do PIB)", disse.

Ressalvas à parte, nem o processo de sucessão presidencial deste ano assusta os participantes do seminário. O diretor de Política Monetária do BC, Aldo Luiz Mendes, disse que "quem define o câmbio é o mercado" e que ele não vê "nenhuma alteração que possa vir da questão política". Mendes procurou demonstrar na sua palestra que hoje a taxa de câmbio presente do Brasil não é afetada pelos fluxos diários de moeda estrangeira (dólares americanos), mas pela percepção de risco global e pela expectativa de fluxo futuro.

O cientista político Amaury de Souza, sócio-diretor da empresa Techne Informática, disse que espera "programas muito similares" na área econômica e que "ninguém vai ser muito ousado". Em tom de brincadeira, o moderador do evento, economista Carlos Langoni (FGV), disse que a certeza de que os principais alicerces da política econômica não serão alterados em caso de vitória da ministra Dilma Rousseff é tamanha que este ano quem teria que apresentar uma Carta aos Brasileiros seria o PSDB, do candidato José Serra.

Carta aos Brasileiros foi um compromisso com a política macroeconômica do governo anterior divulgado pelo PT durante a campanha de 2002 para acalmar o mercado que temia a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva.

Indústria reclama de concentração no varejo

Folha de S.Paulo (SP)

Fabricantes temem perder o seu poder de negociação após onda de fusões no comércio

Consolidação das redes de varejo no país também deve resultar em acordos de venda exclusiva entre indústrias e grandes lojas

FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

A criação de mais uma gigante no setor de varejo a partir da união das redes Insinuante e Ricardo Eletro vai diminuir o poder de negociação da indústria, segundo representantes do setor de eletrodomésticos.
Esse movimento de fusão entre redes médias, porém, já era esperado pelo setor industrial a partir da união do grupo Pão de Açúcar com as redes Ponto Frio e Casas Bahia no ano passado.
"Existe hoje uma situação de mercado em que a competição é intensa entre as redes que comercializam produtos considerados commodities, como os eletrodomésticos. Uma forma de ganhar mais dinheiro é com o aumento de participação de mercado, já que os preços desses produtos são conhecidos dos consumidores", afirma Cláudio Felisoni, presidente do conselho do Provar-FIA (Programa de Administração de Varejo da Fundação Instituto de Administração).
Para representantes da indústria, a concentração do varejo deverá resultar em acordos de venda exclusiva entre indústrias e redes de lojas. A rede Magazine Luiza informa que era prevista a união de empresas no setor e que a empresa "continua com seu plano de expansão e também aberta para analisar propostas de aquisição de redes, mas que não existe nenhuma negociação em andamento".

Fusões
A fusão Ricardo Eletro e Insinuante precisará ser aprovada pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e poderá ser "congelada" pela autarquia, caso os conselheiros entendam que as empresas devam manter suas atividades separadas até o julgamento definitivo do caso.
Nas últimas fusões envolvendo grandes empresas, o Cade vem negociando os chamados Apros (Acordos de Preservação da Reversibilidade da Operação). O mecanismo é usado para garantir que seja possível reverter a operação. Isso evita que os executivos tomem decisões que, no futuro, não possam ser desfeitas. Ou seja, se o conselho decidir vetar a operação ou impuser restrições, a fusão pode ser revertida sem danos ao mercado.

Colaborou JULIANNA SOFIA, da Sucursal de Brasília

Colômbia eleva tom no FMI contra o Brasil

Folha de S.Paulo (SP)

Após demissão de representante colombiana por Paulo Nogueira Batista Jr., Bogotá indica que Brasil não fala mais em seu nome

Colômbia faz parte de grupo de países representado pelo Brasil e, conforme as regras do FMI, tem direito a indicar nome para o posto de vice

ANDREA MURTA
DE WASHINGTON

No aprofundamento de uma contenda com o Brasil, que demitiu a representante colombiana no FMI (Fundo Monetário Internacional), a Colômbia indicou ao órgão que o país não fala mais em seu nome, segundo a Folha apurou. Até agora, a Colômbia faz parte de um grupo votante liderado pelo Brasil e encabeçado desde 2007 pelo diretor-executivo Paulo Nogueira Batista Jr.
Dado o inusitado da situação, não estão claras quais são as consequências imediatas do comunicado. Se confirmada, a saída da Colômbia significaria perda de percentual de voto -e de poder- para o grupo do Brasil, que tem hoje 2,42% (os EUA têm, sozinhos, 16,74%).
Mas a saída efetiva da Colômbia é considerada pouco factível no curto prazo. O país é signatário de um acordo constitutivo do grupo (também composto por República Dominicana, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, Suriname e Trinidad e Tobago), e seria preciso renegociá-lo. Os colombianos também teriam de encontrar outro grupo de países para se agregar e manter, assim, alguma representatividade, pois não têm votos suficientes para agir individualmente. Além disso, se a Colômbia se unir a outro grupo que vota alinhado ao dos brasileiros, o efeito prático da ação pode ser limitado.
A tendência por enquanto é que o caso fique paralisado até o final de abril, quando ocorrerão reuniões dos grupos constituintes do Fundo em Washington. É esperada a presença do ministro Guido Mantega (Fazenda), que comanda a posição do Brasil no organismo, e haverá chance de conversas diretas com autoridades colombianas.
A disputa começou em fevereiro, quando Batista Jr. demitiu a representante da Colômbia no FMI, María Ines Agudelo, do cargo de diretora-adjunta do grupo. Pelas regras do Fundo, o posto cabe a um colombiano -a Colômbia tem o segundo maior número de votos no grupo, depois do Brasil- e Bogotá insistia em manter Agudelo. No site do FMI, o cargo continua em aberto.

Nova eleição
Segundo relatos feitos à Folha, o relacionamento entre Batista Jr. e Agudelo já vinha se deteriorando no último ano com um acúmulo de divergências, e nos últimos meses o contato se tornou menos frequente. A demissão causou uma saia justa e levou a contatos de vários níveis entre Brasil e Colômbia, sem que fosse possível um acordo. Teme-se agora que a contenda influencie a escolha do novo diretor do grupo liderado pelo Brasil no FMI, a partir de outubro.
A Folha entrou em contato com Nogueira Jr. ontem, mas ele não quis se pronunciar sobre o tema. Agudelo não foi encontrada, e a Embaixada da Colômbia não fez comentários.
Colunista da Folha, Batista Jr. foi indicado pelo Brasil em 2007 e assumiu o lugar do ex-diretor do BC Eduardo Loyo. O quadro de diretores é responsável pela condução dos negócios no dia a dia do Fundo. É composto por 24 diretores, designados ou eleitos pelos países ou por um grupo de países.

Bancos exigem mais critérios ambientais

30 de março de 2010

Folha de S.Paulo (SP)

Instituições passam a considerar riscos socioambientais inclusive na análise de pedidos de empréstimos de baixo valor

Próximos desafios são criar produtos de crédito com apelo "verde" e identificar setores promissores para investir, como energia limpa

ANDRÉ PALHANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A iminência de regulamentações ambientais cada vez mais rigorosas e a acirrada concorrência do setor estão levando os bancos a ampliarem a incorporação de critérios socioambientais na análise de crédito para as empresas. A tendência, segundo bancos e especialistas ouvidos pela Folha, é que tais critérios passem a ser incluídos também no pedido de empréstimos de baixo valor, uma prática ainda rara no Brasil.
Na maior parte dos casos, a inclusão de critérios socioambientais se restringe a valores elevados de financiamento ou a setores específicos, como a agropecuária. Os Princípios do Equador, por exemplo, que estabelecem diretrizes de crédito sociais e ambientais para instituições financeiras, definem uma linha de corte de US$ 10 milhões para a inclusão de tais critérios no financiamento de projetos de infraestrutura.
Na prática, isso permite que empresas ou projetos considerados irresponsáveis do ponto de vista socioambiental (que utilizem trabalho infantil ou incentivem o desmatamento em áreas protegidas, por exemplo) tomem crédito bancário sem maiores complicações, desde que não enfrentem problemas jurídicos -realidade comum, num país onde boa parte dos órgãos públicos de fiscalização enfrenta problemas de estrutura e de recursos.
Mais do que preocupação com o planeta, a movimentação dos bancos reflete uma apreensão com o futuro de seu próprio negócio, já que os riscos socioambientais aparecem com um potencial de estrago também sobre as instituições.
Segundo o gerente-executivo da Unidade de Desenvolvimento Sustentável do Banco do Brasil, Benílton Couto da Cunha, trata-se de riscos "diretos e indiretos". Ao financiar empreendimentos que venham a gerar impactos socioambientais adversos, os bancos estão submetidos, em primeiro lugar, ao risco de imagem, pela associação de sua marca com o ocorrido, afirma.
E também se submetem ao risco legal, diante da possível corresponsabilização pelo dano causado, e ao risco de inadimplência, já que eventuais multas ou embargos podem repercutir sobre a capacidade do tomador de honrar seus compromissos junto ao banco.
Um exemplo é o caso dos frigoríficos que compravam gado criado em áreas de desmatamento na Amazônia. Após a prática ter sido denunciada pelo Greenpeace e pela ONG Amigos da Terra, em junho do ano passado, grandes redes varejistas suspenderam a compra dos produtos dessas empresas. O resultado foi que alguns desses frigoríficos quase foram à falência e tiveram seus níveis de risco imediatamente reavaliados pelos bancos com quem tinham relações de crédito.

Iniciativas
O esforço dos bancos para compreender e adequar essa nova realidade em seus modelos de risco de crédito inclui uma série de ações. No ano passado, por exemplo, diversos bancos privados assinaram o Protocolo Verde, um documento público no qual assumiram o compromisso de financiar somente empresas e projetos comprometidos com a questão socioambiental. Até então, o Protocolo se restringia a um tímido acordo de intenções entre poucos bancos públicos.
O documento, assinado em conjunto pelo Ministério do Meio Ambiente e a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), estimula não apenas uma análise mais rigorosa dos possíveis impactos sociais e ambientais decorrentes de um financiamento, mas também a diferenciação, inclusive em termos de taxas, para financiamentos e programas que fomentem o desenvolvimento sustentável e a preservação ambiental.
Outra iniciativa é a produção conjunta, sob coordenação do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), de uma série de relatórios setoriais para avaliar o potencial de estragos e de oportunidades para o sistema financeiro a partir das mudanças climáticas. O primeiro, do setor frigorífico, ficou pronto no início do ano.
"O objetivo é os bancos internalizarem uma prática comum em alguns países lá fora, mas ainda praticamente inexistente por aqui: a avaliação de riscos e oportunidades associadas ao clima em suas análises de crédito", detalha a coordenadora da Câmara Temática de Finanças Sustentáveis do CEBDS, Marina Grossi.
Além de entender os riscos de natureza socioambiental e integrá-los aos modelos de análise de crédito, os bancos ainda têm outro desafio pela frente: usar essas informações para detectar oportunidades.
Por exemplo: identificar segmentos promissores para onde direcionar financiamentos e novos investimentos (como eficiência energética, energia renovável, reflorestamento) ou na criação de produtos de crédito com o apelo desse tipo de política, o que começa a atrair a atenção dos consumidores.
"Esse tema deixou há tempos de ser um debate filosófico. Hoje, é um debate efetivamente de negócios", diz Roland Widmer, coordenador do programa Eco-Finanças, da Amigos da Terra.

Venda de carros bate recorde e deve passar de 320 mil unidades no mês

30 de março de 2010

Estadao.com.br

Às vésperas do fim do desconto do IPI, consumidores lotaram os feirões no fim de semana, garantindo a superação do recorde mensal de vendas

Cleide Silva, de O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO
O fim da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis levou muitos consumidores às lojas e feirões no fim de semana e a indústria automobilística já comemora o melhor mês em vendas da história.

Na quarta-feira, 31, último dia do benefício que vigorou por mais de um ano, o número de licenciamentos de modelos novos deve superar a marca de 320 mil veículos. O recorde até agora foi obtido em setembro do ano passado, com 308,7 mil unidades.

Até sexta-feira, as vendas já somavam 281,4 mil unidades, incluindo caminhões e ônibus, volume 27% superior ao de todo o mês de fevereiro e quase 4% maior em relação ao de março de 2009 inteiro, segundo dados preliminares baseados nos registros de licenciamentos.

Recorde mensal

Se a média diária de vendas do mês for mantida entre segunda e quarta, a indústria encerrará março com 320 mil a 330 mil unidades vendidas, estabelecendo um novo recorde mensal. No comércio, há quem aposte em resultados próximos a 350 mil unidades.

No acumulado de janeiro a março, as vendas até sexta-feira somam 715,6 mil unidades, 12,7% acima do registrado no mesmo período de 2009, também o melhor trimestre da história. Só em automóveis e comerciais leves foram vendidas 680,8 mil unidades.

Entre as três maiores fabricantes brasileiras, a Fiat lidera o mercado, com 22,6% das vendas. Só no último fim de semana a Fiat vendeu 8 mil veículos nos feirões realizados em São Paulo e nas lojas de todo o País. De acordo com a empresa, a média dos últimos finais de semana de promoções foi de 6 mil unidades.

A segunda posição no ranking do trimestre segue com a General Motors, com 20,7% de participação nas vendas, seguida de perto pela Volkswagen, com 20,2%.

Depois do recorde, a indústria automobilística se prepara para substancial queda nas vendas em abril, ciente de que o desempenho de março é fruto da antecipação de compra por parte dos consumidores que quiseram aproveitar o corte do IPI. Sem o benefício, os preços dos carros novos devem subir entre 3% e 4%. O repasse não deve ser imediato. Alguns lojistas, por exemplo, já preparam campanhas com o mote "aqui o IPI continua reduzido".

Para os automóveis com motor 1.0, a alíquota do IPI volta a ser de 7% em 1.º de abril e, para os modelos até 2.0, de 11%. Vários comerciais leves, como as picapes, seguem com IPI reduzido até o fim de junho.

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Jackson Schneider, não vê a "ressaca" de abril, que pode se estender até maio, como motivo para alterar projeções que apontam para um novo recorde anual.

Segundo ele, a projeção das montadoras é de um crescimento de 9,3% nas vendas totais neste ano na comparação com 2009, atingindo 3,4 milhões de veículos. Como os negócios no primeiro trimestre estão quase 13% superiores aos de igual período do ano passado, há espaço para acomodação.

Primeiro zero

O recorde de vendas tem sido alimentado por uma camada de consumidores que está tendo acesso ao primeiro carro zero. Pesquisa recente feita pela empresa de varejo M. Santos com consumidores que adquiriram carros em feirões na capital de São Paulo mostra que mais de 40% deles estavam comprando carros zero quilômetro pela primeira vez.

Mais do que o corte do IPI, as facilidades do crédito, com financiamentos de longo prazo, tem permitido a consumidores com renda mensal entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil adquirir carros zero quilômetro. Há bancos oferecendo parcelamento em até 80 meses.

Com apoio da UE, Grécia capta 5 bi de euros no mercado

30 de março de 2010

Estadao.com.br

Juros obtidos no sistema financeiro privado foram de 5,9%, menos do que o teto admitido por Atenas; estratégia indica que acordo europeu alcançou êxito

Andrei Netto, CORRESPONDENTE / PARIS - O Estado de S.Paulo


O governo da Grécia anunciou ontem a captação de E 5 bilhões em sua primeira investida no mercado financeiro após o pacto de socorro entre os membros da União Europeia, na quinta-feira. O montante foi obtido com a venda de títulos da dívida com validade de 7 anos e juros de 5,9%.

O valor recolhido e as condições do empréstimo indicam o sucesso do acordo europeu, que incluiu o Fundo Monetário Internacional (FMI) entre os potenciais credores de países da zona do euro.

A venda de títulos no mercado financeiro teve como objetivo captar recursos para combater o déficit fiscal do país, que em 2009 atingiu 12,4%, além de reduzir a relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB), de 113%. O empréstimo foi encarado como um teste real à credibilidade do país nos mercados.

Na noite de quinta, os 27 líderes políticos da União Europeia fecharam acordo que permitiria à Grécia tomar empréstimos de vizinhos europeus, com participação do FMI, em caso de fracasso no mercado.

A oferta, feita ontem pela manhã, atraiu investidores dispostos a comprar ? 7 bilhões em títulos, mas o governo grego limitou a ? 5 bilhões o total desejado. A operação foi avaliada como bem-sucedida pelo governo grego, sobretudo porque, nas duas últimas captações realizadas no mercado financeiro, em 2009, a taxa de juros não foi inferior a 6,5%.

Sucesso. "Estamos satisfeitos de ter realizado com sucesso uma operação de ? 5 bilhões em um período de maturação que não é clássico", afirmou à agência Reuters o diretor da agência grega de gestão da dívida, Petros Christodoulou.

Outra prova do sucesso da operação foi a nova alta do euro em relação ao dólar no mercado de câmbio. Depois de chegar a ? 1,327 na quinta-feira à noite, minutos antes do acordo da UE, a moeda única voltou ao patamar de ? 1,346, às 21h de ontem - horário europeu.

Apesar do cenário mais otimista, a situação da Grécia ainda não é confortável. Os juros pagos ao mercado pelo governo grego representam quase duas vezes o cobrado dos títulos da dívida da Alemanha, os mais seguros da Europa. Nessa circunstância adversa, o país terá de reembolsar ou refinanciar até maio ? 23 bilhões em dívidas - ou o equivalente a 10% do PIB nacional. Desse total, ? 7 bilhões poderão ser pagos com recursos do tesouro, restando ? 16 bilhões em aberto.

Não bastasse o tamanho do buraco, a agência de classificação de risco Moody"s levantou dúvidas sobre a seriedade do plano de financiamento de urgência da UE, em nota divulgada ontem.

"A questão primordial em matéria de crédito é saber se a confiança do mercado será reforçada graças ao programa de apoio ou enfraquecida por causa das condições nas quais o programa foi acordado", afirmou o texto.

Ausência alemã. Os bancos da Alemanha, o países mais resistente ao socorro europeu à Grécia, ficaram de fora da captação de recursos realizada ontem.

Instituições da França (Société Générale e Crédit Agricole), da Holanda (ING), dos Estados Unidos (Bank of America e Merril Lynch) e da Grécia (Alpha Bank e Emporiki) coordenaram a operação.

Dívida pública volta a subir e alcança R$ 1,5 trilhões

Alta registrada em fevereiro recompôs a queda de janeiro

EDUARDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O estoque da dívida pública federal voltou a crescer em fevereiro e encerrou o mês em R$ 1,494 trilhão. A alta de 2,56% no período (ou R$ 37,31 bilhões) praticamente recompôs a queda registrada em janeiro, quando o endividamento foi de R$ 1,457 trilhão.
As vendas de papéis do Tesouro totalizaram R$ 39,7 bilhões, e os resgates, R$ 11,62 bilhões. Quase um terço das emissões corresponde a uma série de novos títulos com vencimento mais longos.
"A principal diretriz da administração da dívida é a redução dos custos. E os títulos de mais longo prazo são favoráveis ao emissor, porque, como têm menor risco, pagam preço menor a investidores", diz o coordenador-geral de operações da dívida, Fernando Garrido.
Além disso, papéis com esse perfil são preferidos por agentes internacionais, cuja posse de títulos da dívida interna, já recorde há alguns meses, subiu de R$ 114 bilhões para R$118 bilhões (8,75% do total). No primeiro bimestre, o Tesouro pôde acelerar a recompra de títulos da dívida externa, que chegou a US$ 828,5 milhões, o maior volume desde 2007.
Para o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, a boa colocação no mercado de títulos brasileiros prefixados com prazos mais longos demonstra que os investidores não estão cobrando um preço mais alto para aceitarem esse tipo de papel, o que facilita a gestão de caixa do governo. "A rentabilidade é maior que a da maioria dos outros países, e o risco de investir em renda fixa no Brasil caiu muito nos últimos anos. É o cenário ideal."

Grécia, Alemanha, Europa

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O risco é que uma contração fiscal, em muitos países e ao mesmo tempo, precipite uma segunda recessão na Europa

HOJE E amanhã haverá reunião de cúpula da União Europeia. A Grécia é o tema central. O leitor poderá perguntar: como é possível que a Grécia, sendo tão pequena, possa ser origem de tantos problemas?
Não há mistério. Na vida de cada um de nós, pequenos incidentes, às vezes mínimos, podem dar origem a enormes tragédias. Da mesma forma, no campo econômico, um pequeno país ou uma única instituição financeira (vide Lehman Brothers) pode desencadear crises de proporções continentais e até mundiais.
A situação da Europa é frágil. A economia está mais ou menos estagnada, depois de passar por uma grande recessão em 2009. A crise grega, se continuar sendo mal administrada pelos europeus, tem potencial para levar a um segundo mergulho na recessão.
A Grécia é um caso extremo em termos de dificuldades fiscais e de financiamento. Mas pelo menos mais quatro economias da área do euro (Espanha, Irlanda, Itália e Portugal) parecem estar se defrontando com graves problemas. Os mercados passaram a olhar as dívidas de países europeus com crescente nervosismo e suspeita. O nervosismo dos investidores alimenta o conservadorismo econômico de alguns países, notadamente da Alemanha.
Esse quadro está levando (ou irá levar) não só a Grécia e outros países vulneráveis, mas também o Reino Unido, a França e a Alemanha a um movimento mais ou menos simultâneo de ajustamento das contas públicas, envolvendo cortes de gastos e/ou aumentos de impostos. O risco é que uma contração fiscal, em muitos países e ao mesmo tempo, precipite uma segunda recessão na Europa -com impactos em outras partes do mundo.
Um contrarremédio seria um afrouxamento da política monetária do Banco Central Europeu -a forma mais rápida de tentar neutralizar o impacto recessivo das políticas fiscais. Isso parece estar sendo antecipado pelos mercados e vem provocando uma depreciação do euro. Essa depreciação é bem-vinda para as economias estagnadas da área do euro- ela é, na verdade, um dos principais canais de transmissão da política monetária expansiva.
Porém, como dizia um filósofo grego pré-socrático, Anaxágoras: "Tudo está em tudo". Tudo se liga, tudo se comunica. A desvalorização do euro em relação ao dólar prejudica a incipiente recuperação americana. Os americanos (assim como os britânicos) precisam que suas moedas se depreciem em relação às dos principais parceiros comerciais.
O euro (assim como o nosso real) vinha dando a sua contribuição. Se o euro agora passa a perder valor, os Estados Unidos terão de recrudescer a sua campanha para que a China aceite alguma apreciação do yuan. Não por acaso, o barulho já se intensificou nas semanas recentes com governantes, congressistas e acadêmicos dos Estados Unidos pedindo em coro, e com incrível coordenação, que a China permita a valorização da sua moeda. Os chineses, por enquanto, nada.
Nessa confusão, parece que os alemães deram um passo na direção certa.
A julgar pelo noticiário, tudo indica que a Alemanha reconheceu, finalmente, que a Grécia precisa de apoio externo, em grande escala, e que a melhor solução é combinar um programa do FMI com ajuda financeira europeia.
Solução óbvia, mas que os europeus, por orgulho e autossuficiência, estão (ou estavam) demorando demais a aceitar, agravando a crise desnecessariamente.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 54, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.

pnbjr@attglobal.net

Memória do Presente

À mestra, com carinho

Hoje, olhando em perspectiva, se pode ver com claridade o papel decisivo de Maria da Conceição Tavares. Poucos professores no mundo, ao chegar aos 80 anos, poderão assistir - como ela - a uma eleição como a que ocorrerá no Brasil, em 2010, e saber que os dois principais candidatos à presidência da República foram seus alunos e se consideram, até hoje, seus discípulos. Parabéns e obrigado, Maria da Conceição.

José Luís Fiori

“Eu pessoalmente já fui para a cadeia, sem nem saber porque, dado que sou apenas uma rebelde, pelo que escrevo, pelo que esbravejo.. Mas a voces quero dizer o seguinte: já estou velha e cansada, mas não desisti. Não desiti ! Eu acho que tem que estudar mais, aprofundar, aprofundar a análise, batalhar”.

Maria da C. Tavares, Jornal dos Economistas, Corecon RJ, n
181, p: 8 e 11

Maria da Conceição Tavares completa 80 anos no dia 24 de abril de 2010. Matemática, economista, intelectual com vasta formação histórica, filosófica e literária, professora, militante, deputada federal, torcedora fanática do Vasco da Gama e da Mangueira, Maria da Conceição se transformou nos últimos 50 anos, numa figura publica emblemática, e numa referencia decisiva dentro da vida cultural e intelectual brasileira. Conceição nasceu num povoado, no interior de Portugal, perto de Anádia, na região de Aveiro. A familia de sua mãe era católica e monarquista, mas seu pai era anarquista, e esta divisão familiar, ideológica e política, marcou toda a sua infancia, vivida em plena ditadura salazarista, e durante a Guerra Civil espanhola.

Em 1953, Maria da Conceição se graduou em Matemática, na Univesidade de Lisboa, e pouco depois se mudou para o Brasil, aos 23 anos de idade, alguns meses antes do suicídio de Getulio Vargas. Em vários depoimentos sobre sua própria vida, Conceição confessa que se de deixou envolver imediatamente pelo “otimismo brasileiro da década de 50”, e pela intelectualidade carioca, apaixonada pelo sonho de Brasilia, do Plano de Metas, da Bossa Nova, e do Desenvolvimentismo, cantado em verso e prosa nos salões intelectuais do Rio de Janeiro, liderados pela geração de Darcy Ribeiro, Mario Pedrosa e Anibal Machado. Ao lado dos nacional-desenvolvimentistas do ISEB, e da geração de cientistas que começava a se reunir, naquela época, em torno da SBPC.

Em 1960, Maria da Conceição Tavares se formou em Economia, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde foi aluna e assistente de Otavio Gouveia de Bulhões, ao mesmo tempo em que trabalhava com Inácio Rangel e com os economistas heterodoxos do BNDE. Um pouco depois, já no escritório da CEPAL, no Rio de Janeiro, Conceição estabeleceu relações pessoais e intelectuais definitivas com Celso Furtado, Anibal Pinto, e Raul Prebish. E foi assim, com um pé na ortodoxia neoclássica, o outro na heterodoxia estruturalista, e com uma forte formação marxista e keynesiana, que Maria da Conceição ingressou no debate economico latino-americano, ao publicar, em 1963, um artigo clássico, sobre o “auge e o declínio do processo de substituição de importações”, onde ela explicava, de forma pioneira, os limites estruturais da estrategia de industrialização que era preconizada - naquele momento – por quase todos os economistas desenvolvimentistas.

A partir daí, e nas décadas seguintes, Conceição participou de quase todas as grandes polemicas econômicas, do Brasil e do continente: ainda nos anos 60, ela criticou a “tese estagnacionista” de Celso Furtado, e dos “teóricos da dependencia”; nos anos 70, denunciou os limites financeiros do modelo de crescimento adotado pelo governo militar brasileiro; no início dos anos 80, participou intensamente da discussão sobre a origem e a natureza da crise economico e da hiper-inflação, no Brasil; e durante a década de 90, escreveu inúmeros artigos e livros criticando as políticas e reformas neoliberais associadas à ideologia da globalização.

Por fim, Maria da Conceição escreveu dois trabalhos de longo fôlego, sobre o “movimento cíclico da economia brasileira”, que se transformaram, nas suas teses de doutoramento, em 1974, na UNICAMP, e de Livre Docencia, na UFRJ, em 1977. Além disto, nas décadas de 80 e 90, Conceição participou do debate internacional sobre a “crise da hegemonia americana”, inaugurando o campo da economia política internacional, no Brasil. Neste período, Maria da Conceição foi professora, sucessivamente, da UFRJ, da FGV-RJ, da CEPAL, da Universidade do Chile, da Universidade Nacional do Mexico, e da Universidade de Campinas, onde teve papel decisivo, na formação da sua escola de economia.

Depois do Golpe Militar, de 1964, Maria Conceição viveu no Chile, no México, e na França, antes de voltar ao Rio de Janeiro, e ser presa, em 1974. No Chile, Conceição participou da equipe economica do governo de Salvador Allende, e depois, já de volta ao Rio, militou na luta pela redemocratização brasileira, dentro do PMDB, onde ajudou a formular o seu primeiro programa de governo, que se chamou de “Mudança e Esperança”, e foi escrito em 1982. Uma década depois, Maria da Conceição Tavares ingressou no Partido dos Trabalhadores, e foi eleita deputada federal, pelo Rio de Janeiro, em 1994.

Hoje, olhando em perspectiva, se pode ver com claridade o papel decisivo que as suas idéias tiveram na formação do “pensamento econômico da UNICAMP”, que hoje é hegemônico dentro do Segundo Governo Lula; e também, na inflexão tardia e “desenvolvimentista” do PT, partido que se formou no início dos anos 80, sem nenhuma concepção econômica própria, e sob forte influencia das idéias anti-estatistas, anti-nacionalistas e anti-getulistas de quase toda a intelectualidade paulista, liberal e marxista, desde os anos 50.

Somando e subtraindo, Maria da Conceição Tavares, em toda a sua vida, foi sobretudo uma professora e uma humanista que ensinou várias gerações - dentro e fora do Brasil - a pensarem o mundo com paixão, mas com absoluto rigor analítico; com coragem, mas com total lucidez; com espírito critico, mas com grande otimismo histórico; com rebeldia anárquica, mas com um profundo sentido de compromisso com o seu povo e com as angustias do seu tempo. Além disto, em todos os lugares onde esteve, Conceição foi sempre uma mente provocadora e incapaz de acovardar-se ou de negar o seu próprio passado Poucos professores no mundo, ao chegar aos 80 anos, poderão assistir- como ela - uma eleição da importância da que ocorrerá no Brasil, em 2010, e saber que os dois principais candidatos à presidência da República foram seus alunos e se consideram, até hoje, seus discípulos. Parabéns e obrigado, Maria da Conceição.


José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

ENTREVISTA | WILLIAM COBBETT | Pobres não são estúpidos ao migrarem para as cidades

Governos devem preparar centros urbanos para receber as novas populações, diz sul-africano especialista em favelas que participou do 5º Fórum Urbano Mundial, no Rio

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Os pobres não são estúpidos. Ao migrarem do campo para as cidades, tendência mundial que muitos analistas veem como irreversível, fazem isso após avaliarem suas condições de vida em áreas rurais e compararem com o que encontrarão nas cidades.
As estatísticas dão razão a eles. Por isso, a tentativa de interromper o fluxo migratório tende a ser inútil, e o melhor a fazer é preparar as cidades para receberem essa população.
O alerta é de um dos maiores especialistas mundiais em favelas, o sul-africano William Cobbett, que foi um dos principais palestrantes do 5º Fórum Urbano Mundial, realizado na semana passada, no Rio.
Cobbett já visitou favelas em todo o mundo e conhece bem a realidade brasileira. Atualmente, é diretor-geral da organização Aliança de Cidades, financiada pelo Banco Mundial e que apoia projetos de melhoria das condições de vida em assentamentos precários no mundo.
Para ele, a América Latina deve ser tomada como exemplo das consequências de uma urbanização mal planejada.
Ao tentarem negar o direito dessas populações de terem terra e serviços nas cidades, os governos locais deram margem para o crescimento de poderes paralelos, que hoje são ameaça à segurança.
Não deve ser por isso, no entanto, que se deve agir para melhorar as condições de vida nesses locais. O mais importante é reconhecer o direito dessas populações à terra e aos serviços básicos de uma cidade.
Leia a seguir a entrevista que Cobbett concedeu à Folha durante o 5º Fórum Urbano Mundial.


FOLHA - A ONU acabou de realizar um fórum mundial sobre urbanismo no Rio. Encontros como esse não tendem a ficar apenas no discurso e a resultar em pouca ou nenhuma ação?
WILLIAM COBBETT -
Temos que ser realistas quanto ao objetivo desses fóruns. Antes de partir para a ação, é importante formar consensos, nacionais e internacionais, sobre assuntos que precisam ser enfrentados e suas soluções possíveis.
É preciso criar um diálogo global sobre a importância das cidades, identificando seus problemas sociais, econômicos e políticos, mas buscando também saídas para elas.
Além disso, há um aspecto importante, que é a troca de experiência entre cidades.
Nada do que acontece ou aconteceu na América Latina será completamente diferente do que está se passando agora em alguns países da Ásia ou da África subsaariana.
É importante ter o que chamamos de aprendizado horizontal, ou seja, cidades aprendendo a partir da experiência de outras cidades, países aprendendo com outros países, em vez de contar apenas com o antigo modelo de assistência técnica, do hemisfério norte para o sul.

FOLHA - Em 2007, pela primeira vez na história mundial, a população urbana superou a rural em todo o planeta. Trata-se de um fenômeno irreversível, ou ainda é possível pensar em estratégias para manter as populações no campo, para que elas não sobrecarreguem as cidades?
COBBETT -
Cada país tem uma realidade distinta, mas a tendência global de urbanização é muito forte. Ela começou historicamente na Europa, nos Estados Unidos e em países da Ásia oriental. Depois se espalhou para a América Latina e agora acontece na África e no restante da Ásia. Pode-se discutir se ela é natural ou evitável, mas é fato que é uma transição demográfica em curso.
Acho que a resposta mais inteligente dos governos de países onde esse processo ainda está em curso é planejar com antecedência. É preciso ter consciência dos números e tendências, e é por isso que fóruns como esse são tão importantes. Em nenhum lugar do mundo houve sucesso em políticas de governos que tentaram manter pessoas em áreas rurais.
Se as pessoas querem migrar para as cidades, elas certamente o farão. Além disso, é preciso reconhecer que as pessoas pobres não são estúpidas. Elas olham para as condições que têm no momento e comparam com as cidades.
Se decidem migrar, fazem isso a partir de julgamentos. Elas pensam que, se mudarem para uma cidade, terão melhor acesso para elas e seus filhos a escolas, hospitais e serviços públicos em geral. E, estatisticamente, elas estão certas. É por isso que migram.

FOLHA - A transição do rural para o urbano então é positiva?
COBBETT -
Não podemos fingir que a urbanização é uma resposta a todos os problemas. Definitivamente, não é. Se mal gerenciada, como aconteceu na América Latina, governos terão que passar 10, 20, 40 anos resolvendo problemas de falta de planejamento.
É por isso que os países da África subsaariana ou a Índia, entre outros, têm muito a aprender com a experiência dos latino-americanos.
É importante se conscientizarem dos problemas que podem vir antes que eles se tornem inevitáveis e consumam décadas para serem resolvidos.
Eles precisam perceber que há um processo em curso e tentar o mais rápido possível se preparar para poder aproveitar os efeitos positivos que a migração do campo para as cidades traz para a economia.
É bom lembrar que todas as economias bem-sucedidas do mundo, sem exceção, passaram por um processo de urbanização e industrialização. Nenhum país atingiu níveis satisfatórios de renda sem passar por essa fase.

FOLHA - Mas, ao menos na América Latina, a urbanização veio acompanhada do crescimento da violência. Na África e na Ásia, países pobres que passam por essa transição não correm sério risco de verem crescer em favelas grupos criminosos ou terroristas à margem do Estado?
COBBETT -
Sem dúvida, e devemos nos preocupar seriamente com isso. Mas não deve ser por isso que devemos agir para impedir que a população viva em condições precárias.
É dever dos governos planejar o futuro de seus países. O que vimos em muitas cidades foi um fracasso das autoridades em prover terras e serviços básicos para os mais pobres, reconhecendo sua cidadania. Se eu vou para a cidade e o governo não me dá terra, água ou energia, eu vou conseguir isso informal ou ilegalmente.
O fracasso de governos locais e nacionais em reconhecer esses direitos é o que cria espaço para sistemas de poder alternativos à margem do Estado.
Só que, em muitas cidades, em vez de serem reconhecidos como cidadãos ao chegarem, a mensagem que os pobres recebem é oposta: vocês não são bem-vindos, não te daremos terra nem serviços e não reconhecemos seu direito de estar aqui. Os governos que negaram isso acabaram fracassando e agora se sentem ameaçados pela imagem da insegurança.
Mas, repito, não deve ser esse medo que nos leve a agir.

FOLHA - Mesmo melhorando as condições de vida em algumas favelas, as pessoas continuam carregando um estigma negativo por viverem ali?
COBBETT -
De fato, somente investir em favelas não resolverá o problema. É preciso mudar a forma como as pessoas de classe média e com propriedades veem a população que vive nessas áreas. Será que reconhecem que são cidadãos? Percebem que é preciso fazer investimentos não para que essas populações saiam dali, mas para que as favelas sejam incluídas e façam parte da cidade legal?
É a atitude discriminatória das elites que, em muitos casos, mantém os moradores de favelas nessa situação. A favela em si não é um problema, mas um sintoma da forma diferenciada com que as pessoas são tratadas nas cidades.
Além disso, em muitas cidades, a população em favelas ou assentamentos precários é a maioria da população. Então, não devemos encarar como um problema de favelas, mas como um problema das cidades.

FOLHA - O sr. vem com bastante frequência ao Brasil. Notou desta vez alguma diferença em relação às condições de vida nas favelas?
COBBETT -
Acho que há uma mensagem positiva a ser dada ao resto do mundo em relação ao Brasil. A Constituição de 1988 e o Estatuto das Cidades, de 2001, são importantes marcos de melhoria do gerenciamento do acesso às terras. Mas vocês têm uma história de 500 anos que não se muda em dez. É um processo longo que requer uma política estável e investimentos constantes. Acho que é isso que o governo vem fazendo nos últimos oito anos, mas ainda há muito a fazer.
Eu visitei nesta semana, por exemplo, a Rocinha, e vi os investimentos que o PAC está propiciando no local.
Mas o lixo nas ruas ainda é visível. Todo mundo joga tudo em qualquer lugar.
Os investimentos são importantes para as comunidades perceberem que os governos reconhecem o direito de as pessoas estarem ali e tratá-las como cidadãos, mas ainda há um longo caminho a percorrer.

FOLHA - O sr. conhece muitas favelas no mundo. Dá para identificar alguma peculiaridade das que já viu no Brasil?
COBBETT -
Em primeiro lugar, uma favela em Salvador é diferente de outra no Rio, que é diferente de uma em São Paulo. Mas uma característica do Brasil é que, aqui, vocês têm cidades fortes, e o prefeito tem autoridade para tomar muitas decisões importantes.
Em muitos países, o poder local não é tão forte.
Também chama a atenção na comparação das favelas brasileiras com as da Índia ou de países africanos que, aqui, o nível de miséria é muito menor.
Obviamente, não se trata de uma competição, mas quando se visita uma favela nesses países percebe-se que, apesar dos problemas, as condições de vida aqui são melhores.

26 de março de 2010 | 18h13 José Paulo Kupfer Está em curso uma briga de foice pelo crédito consignado. A guerra, surda até a reportagem do colega L

Eu conversei com muitos empresários da área de tecnologia da informação, como o presidente da associação que reúne todas as empresas de TI. Eu imaginava que ele ia me dizer que procurava aquele jovem que sabe mexer com computador, é esperto, ágil. Mas ele quer capacidade de concentração. É interessante, porque isso é algo que se desenvolve com muita leitura. Os livros são fundamentais.

Há cem mil vagas disponíveis porque esse setor domina a vida moderna. Todas as empresas precisam. É vaga para produção de software, mas também há necessidade de pessoal para trabalhar com cabeamento, administração de rede, prestando serviço para pequenas empresas. Há uma infinidade de segmentos. Existem vagas também em outras áreas.

O Brasil vai crescer de 5,5% a 6% em 2010. É um ano bom. As empresas estão encontrando o velho gargalo de mão-de-obra. Falta qualificação. No setor de construção, por exemplo, há vagas. Hoje, a ideia de que construção é uma área apenas para mão-de-obra não qualificada mudou completamente. Agora, você precisa de especialista em fibra ótica, por exemplo. A profissão de engenheiro está voltando à moda.

Mas é preciso falar inglês. Sem dominar o idioma, o profissional não consegue se conectar com empresas que estão trabalhando nos mesmos projetos e que ficam em outros países. Para um empresário da área de tecnologia da informação, os cursos superior e técnico são igualmente importantes.

Olho gordo no crédito consignado

26 de março de 2010 | 18h13

José Paulo Kupfer

Está em curso uma briga de foice pelo crédito consignado. A guerra, surda até a reportagem do colega Leandro Modé, esta semana, aqui no vizinho Estadão impresso, já rende mais de uma dezena de liminares na Justiça contra uma agressiva política do Banco do Brasil pela exclusividade da modalidade de crédito. À frente da briga judicial está a associação que representa os pequenos bancos, mas os grandes também estão na parada. Uma chuva de liminares é esperada para breve

O que os bancos reclamam do BB é a exclusividade que a instituição tem negociado com Estados e municípios na concessão de créditos consignados aos servidores públicos. Como os bancos pouco se interessam em firmar convênios com o setor privado – as folhas de pagamento são pulverizadas e os funcionários, menos estáveis –, a briga é para acertar parcerias com Estados e municípios.

O que os bancos querem é isso mesmo que você está pensando: uma parte que seja nessa boquinha. Para quem empresta, o consignado é, de fato, um negócio da China – fácil, pouquíssimo arriscado e altamente lucrativo. Quem não quer?

Os bancos alegam que o BB, com seu poder de fogo, impede a competição. Eles têm razão. O detalhe é que, no caso do consignado, competição é o que menos está em jogo. O que vale é a capacidade de convencer os altos escalões de Estados e municípios a firmarem convênios de concessão de crédito consignado com o banco “x” ou “y”.

Modalidade de financiamento que mais cresce no mercado brasileiro, o crédito consignado já responde por mais de 60% do volume de crédito pessoal e quase 25% de todo o crédito concedido a pessoas físicas. Em fevereiro, o estoque total de crédito consignado passava de R$ 110 bilhões, dos quais empréstimos a servidores públicos representavam 85% e o restante era praticamente todo destinado a aposentados do INSS, das caixas de pecúlio estaduais e municipais.

O sucesso do consignado não é difícil de explicar. Por conta da inadimplência quase zero, a modalidade sai mais em conta para os tomadores – ainda que eles tenham de empenhar a própria remuneração em garantia, o que pode levar a casos, por exemplo, em que, entre comprar um remédio e pagar o empréstimo, o financiado não tenha como escolher a primeira opção.

O problema é que mesmo esse custo “mais barato” é escandalosamente caro. Um consignado custa, em média, 27% ao ano contra quase 60% ao ano nas demais modalidades para pessoa física. Parece uma beleza, mas não é. Os bancos não pagam mais de 10% ao ano pelo dinheiro que emprestam e, assim, considerada a inadimplência quase nula, ganham quase três vezes em cima do tomador do empréstimo. Um negócio que rende 200% ao ano é mesmo para brigar de socos e pontapés.

É de se perguntar por que os bancos conseguem cobrar menos de compradores de carros novos do que do trabalhador ou do aposentado tomador do consignado. A primeira resposta possível é que quem negocia os convênios do crédito consignado está entregando o “ouro” às instituições financeiras, sem impor limites adequados e decentes a elas. Não é por coincidência que, entre um convênio de crédito consignado e outro, pipocam suspeitas de corrupção.

Os bancos – inclusive o BB, que, em todo caso, deveria dar melhor exemplo – estão na deles. O fato de se engalfinharem pelo consignado, desmoralizando a própria tese de que o spread bancário é absurdo por causa, principalmente, do alto risco da inadimplência, só confirma que, normalmente, no mundo financeiro, o que fala mais alto não é exatamente a coerência e sim a ganância.

Mas quem lhes entrega, sem mais nem menos, uma bem fornida vaca leiteira de lucros deveria ter de se explicar.

fonte: http://blogs.estadao.com.br/jpkupfer/

Insinuante e Ricardo Eletro criam nova gigante do varejo

A rede de eletrodomésticos e móveis criada com a fusão deve ser maior do que o Magazine Luiza, hoje o 2º colocado no setor, atrás de Pão de Açúcar/Casas Bahia

Juntas, redes terão 480 lojas espalhadas em 17 Estados do país; controle será meio a meio e novo presidente será Ricardo Nunes, da Eletro

FÁTIMA FERNANDES
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

As redes de móveis e eletrodomésticos Insinuante, da Bahia, e Ricardo Eletro, de Minas Gerais, devem anunciar entre hoje e amanhã a união de suas operações. Juntas, as empresas devem ampliar seus negócios no Nordeste, no Rio de Janeiro e no interior de São Paulo.
A nova empresa terá 480 lojas espalhadas em 17 Estados do país. Com faturamento de R$ 4,6 bilhões anuais, a Insinuante/Ricardo Eletro deverá ser maior do que o Magazine Luiza (faturamento de R$ 3,8 bilhões no ano passado), que ocupa a segunda colocação no ranking do varejo no país, atrás de Pão de Açúcar/Casas Bahia.
O controle deverá ser dividido entre as duas redes -cada uma possuirá 50% de participação. Ricardo Nunes, dono da Ricardo Eletro, deve comandar a nova companhia. Luis Carlos Batista, da Insinuante, fica no conselho de administração.
No ano passado, Nunes disse que seu objetivo era consolidar e não vender a empresa. A rede montou um centro de distribuição em São Paulo e previa abrir mais 50 lojas no interior do Rio de Janeiro em 2010. O faturamento da rede no ano passado foi da ordem de R$ 2,1 bilhões, o que representou um aumento de 28% sobre 2008.
A decisão de fundir as duas redes ocorreu após o negócio entre o grupo Pão de Açúcar e as Casas Bahia no ano passado. Parceira do BTG Pactual, de André Esteves, a Insinuante foi uma das finalistas para a compra das Casas Bahia.
Fundada em 1959 em Vitória da Conquista, no interior da Bahia, a Insinuante, que começou suas operações com o comércio de calçados, tem cerca de 220 lojas. A Ricardo Eletro, fundada em 1989 em Divinópolis (MG) pelos irmãos Ricardo e Rodrigo Nunes, possui cerca de 240 lojas no país e emprega cerca de 8.000 pessoas.
A concentração no varejo, principalmente após o negócio entre Pão de Açúcar e Casas Bahia, estimula a fusão de redes menores, segundo consultores de varejo. A indústria é contrária ao movimento porque perde poder de negociação e fica nas mãos de grandes clientes.

Fonte: Folha de São Paulo

5.3.10

Pacote do governo para exportações terá benefício automático em impostos

05 de março de 2010

O Globo (RJ)

Novo sistema vai ressarcir recolhimento de PIS/Cofins na compra de insumos


Martha Beck


BRASÍLIA. O governo vai criar um sistema automático de compensação dos créditos de PIS/Cofins acumulados pelos exportadores na compra de insumos para reduzir custos e aumentar a competitividade brasileira no exterior, informaram ao GLOBO técnicos da área econômica. A medida — que deve valer apenas para créditos futuros — é a principal aposta do tão esperado pacote de ajuda ao setor exportador visando a ajudar a minimizar perdas dos empresários com o câmbio, que será anunciado nas próximas semanas.

O estoque de créditos já existentes nas empresas — que pelas estimativas do governo somam R$ 5 bilhões — ficaria nas regras atuais, ou seja, seria compensado pelos exportadores em até cinco anos. Para ter direito à nova compensação automática, no entanto, as empresas terão que se enquadrar em alguns critérios. Entre eles, serem exportadoras há mais de cinco anos, utilizarem nota fiscal eletrônica e optarem pelo regime tributário do lucro real.

O acúmulo de créditos de PIS/Cofins ocorre com empresas que exportam mais de 35% de sua produção. Isso porque os créditos gerados na compra dos insumos para produtos vendidos no exterior acabam sendo em volume maior do que os empresários conseguem compensar com tributos pagos no mercado interno. A ideia do governo com a compensação automática é permitir que os créditos sejam repassados a fornecedores, que poderiam usá-los para abater outros impostos.

Segundo o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, a compensação automática dos créditos é um avanço importante, mas não deveria ter critérios de enquadramento e valer só para o futuro.

Segundo Castro, os créditos acumulados pelo setor na área federal chegam a R$ 10 bilhões, sem contar os de ICMS (estaduais), de R$ 20 bilhões.

— Não se pode esquecer o passado. Empresas que apostaram no comércio exterior vão acabar penalizadas com a medida.

Mas qualquer avanço nessa área é positivo — disse Castro.

Já o gerente da Unidade de Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Renato Fonseca, acredita que o ressarcimento imediato dos tributos recolhidos pelos exportadores é o melhor caminho para aumentar a competitividade das empresas.

Com isso, o setor teria rentabilidade maior, para compensar a valorização do real.

— É preciso devolver o dinheiro que pertence às empresas — disse Fonseca.

Fundo Garantidor de Exportações terá mudança

Os técnicos da área econômica alegam que a medida não pode ser mais ampla devido às restrições fiscais em 2010. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, promete cumprir a meta de superávit primário, de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB).

No pacote também está uma reforma do atual Fundo Garantidor de Exportações (FGE), de modo que mais operações sejam garantidas simultaneamente. Para Castro, esse é outro avanço no setor, pois com o FGE até exportações de grandes empresas para mercados seguros são avaliadas com risco excessivo.

— O volume de recursos hoje do FGE poderia garantir muito mais operações — disse.

Uma alternativa seria o ressarcimento em dinheiro dos exportadores pelos créditos, o que ainda está sob avaliação da equipe econômica.



COLABOROU Eliane Oliveira

Captação de renda fixa dispara e vai a R$ 15 bi

05 de março de 2010

DCI (SP)

Fernando Teixeira


SÃO PAULO - Levantamento da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostra que a captação líquida dos fundos de renda fixa alcançou o patamar de R$ 15,4 bilhões nos dois primeiros meses de 2010. O resultado é quase três vezes maior que o alcançado pela segunda operação de melhor desempenho - fundos de curto prazo -, cuja captação foi de R$ 5,6 bilhões.

A entidade revela que o volume acumulado de recursos captados em 2010 pelos fundos de investimento chegou à cifra de R$ 13,9 bilhões (162,7% superior à registrada no mesmo período de 2009). O resultado proporcionou crescimento de 1% no patrimônio dos fundos este ano. Em 12 meses, a captação ultrapassa, pela primeira vez, o patamar dos R$ 100 bilhões.

Para o professor do curso de Administração da ESPM, Adriano Gomes, a explicação da migração dos investidores a fundos de renda fixa se baseia nos movimentos da economia desde 2009.

O primeiro ponto aconteceu nos meados de 2009, quando houve uma queda acentuada da taxa básica de juros (Selic) para o patamar de 8,75%. "Na ocasião, para recuperar a economia o governo chegou até a cogitar a taxação da poupança doméstica. Mas não o fez porque a medida entraria em vigor em um ano eleitoral."

Para ele o fato de a inflação medida na última quadrissemana ter apresentado um bom comportamento e não forçar os preços influencia a decisão por operações de menos risco.

O acadêmico ressalta que outro ponto que atraiu o investidor para renda fixa foi mitigar o risco para o capital. "O investidor é um ser totalmente racional. Ele calcula se vale a pena se expor ao grande risco - mercado de ações - ou se ele ganhará com operações mais seguras", destaca.

Gomes coloca como ponto-chave, na escolha por renda fixa, o fato de que a Bovespa registrou lucro de quase 80% em 2009 e de que dificilmente realizará ganhos similares. "É prático, até para pequenos investidores, aderirem às formas primárias de investimentos como títulos do governo - que possuem rentabilidade interessante e garantia de recompra - e a participação em fundos, mas é preciso tomar cuidado com taxas de administração para não perder dinheiro", salientou. Para o economista e consultor independente Adriano Porto, o fato predominante da migração a fundos de renda fixa se deve à possibilidade de que os investidores têm mais possibilidade de defesa do capital em uma eventual crise. "Toda aplicação tem um nível de risco, e as menos arriscadas geralmente são lastreadas em títulos do governo e a chance de perder é menor. A queda da Selic e o aumento de rentabilidade chamam investidores."

De acordo com a Anbima, mesmo quando o recorte é feito apenas no mês de fevereiro, a aplicação em renda fixa é a que mais captou. Segundo a entidade, a captação líquida foi de R$ 3, 108 bilhões; resultado muito acima do FIDC, cuja captação foi de R$ 1, 171 bilhão.

No mês de fevereiro, destaca a Anbima, o mercado doméstico de fundos apresentou captação líquida de R$ 8,8 bilhões, o maior valor registrado nos últimos quatro anos para o segundo mês do ano. O volume representa 0,64% do patrimônio líquido do setor.

Dispara investimento brasileiro no exterior

05 de março de 2010

DCI (SP)

Fernanda Bompan


SÃO PAULO - Dados recentes do Banco Central (BC) revelam que os investimentos brasileiros diretos no exterior passaram de pouco mais de US$ 200 milhões em janeiro de 2009 para US$ 1,2 bilhão no primeiro mês de 2010. Paralelo a isso, uma das novidades neste início de ano é que os Estados Unidos passaram de principal destino desse investimento para o quarto, dando lugar para os Países Baixos (Holanda), Dinamarca e Chile.

Segundo dados de janeiro deste ano do BC, os envios à Holanda representam 57% (US$ 706 milhões) do total de 2010 (US$ 1,238 bilhão), enquanto que no ano passado, o percentual era de 5,5% (US$ 428 milhões). Da mesma forma, o encaminhamento à Dinamarca, cujo valor era inexpressivo em 2009 (0,7% ou US$ 56 milhões), neste ano subiu para 14,5% ou US$ 180 milhões. Para especialistas não há uma razão clara para o aumento, mas segundo representantes dos países, as relações bilaterais com o Brasil avançam cada vez mais.

De acordo com o secretário executivo da Câmara Comercial Brasil-Dinamarca (Danchamb), Lauritz Stræde Hansen, a ampliação das exportações brasileiras para o país, passando de apenas comercializar commodities ou produtos "simples" como roupas, para a venda de produtos tecnológicos, provenientes das indústrias têxteis, química e farmacêutica, principalmente, fez com que os brasileiros quisessem investir mais nesse setor na Dinamarca. "Além disso, o Brasil estaria promovendo incentivos fiscais para brasileiros que pretendem investir na Europa", diz.

Dados pesquisados pela Embaixada dinamarquesa apontam que entre 1996 e 2007, as exportações brasileiras totais aumentaram de US$ 40 bilhões para aproximadamente US$ 122 bilhões. Paralelo a isso, a venda de produtos sofisticados cresceu de 5% a 8%, enquanto que para as exportações tradicionais houve queda de 43% para 36%, no período.

Institutos de apoio ao investimento na Dinamarca propagam que parcerias de empresas dinamarquesas podem ser úteis para as brasileiras, pois há a possibilidade de acesso ao mercado de 350 milhões de pessoas da União Europeia, de que o país é membro. Além de que, de acordo com a World Competitiveness Report (Fórum Econômico Mundial), a Dinamarca é vista como um dos 10 maiores países comerciais e econômicos do mundo.

Já o aumento dos investimentos brasileiros diretos na Holanda não tem uma característica própria para a maioria dos economistas consultados. Procurados, a Embaixada dos Países Baixos, o Consulado Geral holandês em São Paulo e a Câmara Comercial não puderam se manifestar até o fechamento desta edição.

O professor da Fia e diretor presidente da Fractal, Celso Grisi, acredita que os investimentos naqueles país possam ser mais caracterizados por um movimento comum que grandes empresas brasileiras e milionários promovem. "Remessas de repatriamento, empréstimos e distribuição de dividendos às matrizes na Holanda são frequentes. Mas não há uma justificativa de alta para esse país", entende Grisi.

Entre as empresas que estariam interessadas em aumentar seus investimentos no país europeu estaria o Grupo Votorantim, que já investiu, em 2008, em um entreposto marítimo localizado em Antuérpia, na Bélgica.

O professor do curso de Administração da ESPM, José Eduardo Balian, concorda com Grisi. Para ele, o destaque tanto para a Holanda quanto para a Dinamarca, com relação ao interesse de brasileiros nesses países, não é consistente. "O agronegócio tem maior influência nesses dados de investimento [brasileiro]. Várias empresas aplicam no exterior nessa área, o que pode ser destaque também na Dinamarca e na Holanda. Entretanto, não revela o motivo de aumento. O estudo para isso precisaria ser muito mais aprofundado", afirma.

Tendência

O avanço dos investimentos brasileiros no exterior pode ser uma tendência para este ano. "O investimento direto brasileiro no exterior deve em 2010 iniciar um processo de crescimento, ainda que lento. Naturalmente, estou falando dos investimentos que se enraizam na economia estrangeira [compra total ou parcial de participação de uma empresa no exterior, investimentos na criação ou expansão de empresas no exterior, etc]. Claro que com o dólar muito baixo, exportar do Brasil ficou difícil e produzir lá fora tornou-se mais atrativo", explica Celso Grisi.

Já o professor da ESPM não prevê crescimentos sólidos do investimento brasileiro no exterior para este ano. "Investimento em outros países é algo pontual, como construção de fábricas, por exemplo", avalia Balian.

Mercado de trabalho fraco ainda pesa nos EUA

05 de março de 2010

Valor Economico (SP)

James Politi e Nicole Bullock, Financial Times

Jim Bunning, ex-jogador de beisebol que se tornou senador republicano por Kentucky, impediu sozinho na semana passada a aprovação de uma extensão de um mês no seguro-desemprego, alegando falta de verbas. Ele cedeu na terça, após circular que 400 mil americanos não receberiam o cheque do seguro se o impasse continuasse.

O episódio evidenciou mais do que paralisia política. Mostrou que medida o enfermo mercado de trabalho dos EUA continua ameaçando a perspectiva de uma rápida recuperação econômica, pressionado ao máximo o orçamento dos Estados e obrigando o governo federal a intervir com mais gastos.

Os dados sobre o mercado de trabalho em fevereiro serão divulgados hoje. Espera-se que a economia dos EUA tenha eliminado ao menos 60 mil vagas, com a taxa de desemprego subindo ligeiramente em relação aos 9,7% de janeiro.

Apesar de as graves nevascas do mês passado terem prejudicado a geração de empregos, fazendo as empresas adiarem novas contratações, a projeção sombria ilustra o imenso peso do desemprego na recuperação dos EUA.

O orçamento de muitos Estados, que dividem responsabilidade com o governo federal pelo pagamento do seguro-desemprego, estão cada vez mais pressionados pelo peso da escassez de empregos.

Segundo o Departamento do Trabalho, 31 Estados precisaram tomar empréstimos do governo federal para reabastecer os seus fundos de seguro-desemprego, usados para pagar os benefícios. Até agora, o valor total emprestado foi US$ 33 bilhões, mas a cifra deverá subir para US$ 90 bilhões até 2012, com previsão de que 40 Estados peçam créditos federais.

Geralmente, os Estados tentam acumular os seus recursos nos bons tempos, para que a verba possa ser paga aos trabalhadores desempregados nos tempos ruins.

Muitos Estados, porém, não entraram nessa recessão preparados, diz Iris Lav, consultora-sênior no Centro de Orçamentos e Prioridades de Políticas Públicas. "Não faz tanto tempo assim desde a recessão passada, havia pouco crescimento na base salarial e os empregadores queriam impostos mais baixos, pedido que foi atendido pelo Estados", disse Lav.

Tomar recursos do governo, porém, é só uma solução temporária. Até o fim do ano, esses empréstimos estarão isentos de juros, mas depois haverá um custo. Isso significa que, para repor os seus fundos de desemprego, os Estados estão diante da incômoda decisão de elevar impostos que incidem sobre os empregadores, coisa que alguns já fizeram, ou reduzir benefícios.

Enquanto isso, Congresso e governo federal tentam estimular a geração de empregos, com sucesso limitado. Alguns economistas elogiam as medidas em discussão, mas muitos questionam se bastarão para dar o empurrão necessário ao mercado de trabalho, condição para reduzir substancialmente a taxa de desemprego, que deverá ficar em torno de 10% esse ano.

Uma esperança é que a demanda reprimida por novos trabalhadores já tenha atingido o ponto em que empresas não precisem mais postergar contratações. Após as nevascas que assolaram partes do país, poderia ocorrer um movimento de geração de novos empregos em março.

Crise reduz ritmo de crescimento do campo

05 de março de 2010

Valor Economico (SP)

Cenários: Governo agora prevê alta de 37% na oferta de grãos em dez anos

Mauro Zanatta, de Brasília

A crise financeira global e o clima desfavorável no Sul do país em 2009 provocaram uma redução de 12 milhões de toneladas na estimativa oficial de produção do agronegócio nos próximos dez anos. O recuo na demanda e os efeitos da seca devem impedir um crescimento mais acelerado em dez dos 17 produtos analisados em estudo divulgado ontem pelo Ministério da Agricultura.

A freada atingirá a produção de milho, soja, trigo, feijão, açúcar, mandioca e de carnes bovina e suína. "Tivemos que rever nossas projeções porque houve um impacto significativo desses fatores sobre a produção estimada no estudo anterior", disse o coordenador-geral de Planejamento Estratégico do ministério, José Garcia Gasques.

No complexo carnes, por exemplo, o recuo na demanda internacional derrubou em 22% a previsão de crescimento da produção até 2020. Em dez anos, as indústrias de frango, bovinos e suínos deveriam produzir 37,2 milhões de toneladas de carne, mas chegarão a apenas 30,5 milhões de toneladas, segundo o estudo. O crescimento de 12,6 milhões de toneladas antes previsto, será limitado a 8,4 milhões de toneladas.

No caso dos grãos, deve haver uma redução de 179,8 milhões para 177,5 milhões de de tonelada em dez anos. A produção de milho, soja, trigo, arroz e feijão em 2020 ficaria, segundo as novas previsões, 1,3% abaixo da estimativa anterior.

Ainda assim, indica o novo estudo, haverá elevação substancial na produção nacional de laranja, carne de frango, etanol, algodão, leite, arroz e batata. A projeção aponta, ainda, um forte aumento na produção de papel e celulose. "Deve ser um crescimento baseado em produtividade, expansão de área mínima, de 0,45% ao ano, e uma elevação de 2,7% na produção", afirmou Gasques. O dinamismo de parte do agronegócio será puxada pelo crescimento da demanda do mercado doméstico. "Embora também tenhamos um aumento previsto para as exportações".

O estudo da Assessoria de Gestão Estratégica aponta que haverá um dinamismo maior em sete dos 23 produtos agora avaliados. Na liderança do movimento, devem estar soja em grão, carne de frango, açúcar, etanol, algodão, óleo de soja e celulose.

A piora na previsões para 2020 estão ancoradas no desempenho menos dinâmico de alguns segmentos no ano-safra anterior (2008/09). Na carne bovina, por exemplo, houve uma redução de 55,3% na exportação projetada. Esperava-se embarques de 2,63 milhões de toneladas, mas as indústrias venderam apenas 1,69 milhão de toneladas. A previsão de consumo interno também registrou uma queda de 33% no intervalo: de 8,21 milhões para 6,17 milhões de toneladas. "Por esses dados, fica clara a interferência da crise mundial", afirmou Gasques.

Na projeção do ministério, a safra de grãos (soja, milho, trigo, arroz e feijão) deve crescer 36,7% até 2020, passando de 129,8 milhões para 177,5 milhões de toneladas na safra 2019/20. A produção de carnes bovina, suína e de frango deve manter o padrão, com alta estimada em 37,8% - aumento de 8,4 milhões de toneladas em dez anos. Açúcar, etanol e leite também terão performance dinâmica.

As estimativas para 2020 apontam uma ampliação de 9,6 milhões de hectares nas lavouras do país. A área total deve passar de 60 milhões para 69,7 milhões em 2020. A expansão deve ser concentrada na soja (4,7 milhões de hectares) e cana (4,3 milhões). O milho deve ocupar mais 1 milhão de hectares e as culturas do café, arroz e laranja devem elevar a produtividade, reduzindo a área plantada nos próximos dez anos.

Sobretaxa sobre calçado chinês será válida por 5 anos

05 de março de 2010

Valor Economico (SP)

De Brasília

Sob forte pressão dos produtores, o governo brasileiro resolveu tornar definitiva, por cinco anos, a aplicação de sobretaxa sobre importação de calçados chineses, acusados de preços artificialmente baixos e competição desleal no mercado interno (dumping). Os calçados sofrerão sobretaxa de US$ 13,85 por par ao entrar no Brasil. A decisão foi tomada ontem por recomendação dos técnicos do Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex), órgão presidido pela secretária-executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Lytha Spindola.

A medida, aplicada aos calçados registrados pelos números 6402 a 6405 na nomenclatura comum do Mercosul, exclui as sandálias de praia, calçados específicos para prática de esportes, como ciclismo, patinação, lutas, boxe, esqui e surfe de neve.

Também não terão sobretaxa as importações de pantufas, sapatilhas para dança, calçados descartáveis, calçados usados para segurança em fábricas, calçados fabricados totalmente em material têxtil, sapatos de bebês com a parte superior de tecido, e alpercatas (chinelos de couro).

A Camex, que deverá referendar a decisão do Gecex, já havia determinado a sobretaxa de US$ 12,47, provisoriamente, em setembro de 2009, e o prazo de vigência da medida antidumping acabaria nesta semana. A decisão foi tomada após um pedido feito ao Ministério do Desenvolvimento, em outubro de 2008, pela Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados). Ontem, após avaliação dos técnicos do Gecex, a sobretaxa, foi, além de estendida por cinco anos, elevada em US$ 1,38.

A prorrogação da sobretaxa foi objeto de intenso lobby dos empresários do setor e de parlamentares da região Sul, onde está concentrada a maior parte da produção, no Brasil. Segundo o deputado José Paulo Tóffano (PV-SP), nesses seis meses de direitos antidumping provisórios, 15 mil empregos foram preservados no setor calçadista brasileiro, e cerca de 30 milhões de pares de calçados deixaram de ser importados da China.

A pesquisadora Jacqueline Haffner, que apresentou ontem, em seminário no Itamaraty, um trabalho sobre a economia chinesa e o impacto no setor calçadista, comentou que, só em janeiro, a queda nas importações de calçados da China foi de 36% em relação ao mesmo mês do ano passado. "Um resultado muito positivo", avaliou a economista. (SL)