O grande problema deles foi ter nascido no ano errado. Ou
na geração errada. São jovens na faixa dos 20 aos 30 anos. Estudaram
muito mais do que os seus pais. Viajaram e aprenderam diferentes
idiomas. Estão habituados às novas tecnologias de comunicação e
cresceram em períodos de relativa bonança, sem ter a criatividade e a
liberdade tolhidas por regimes autoritários, guerras ou outras
contingências.
Ainda assim, não conseguem uma oportunidade para entrar no mercado de trabalho.
Impulsionados pela crise e por medidas de austeridade,
crescentes níveis de desemprego entre os jovens em alguns países
desenvolvidos - e principalmente na Europa e EUA - estão criando o que a
imprensa e economistas desses países vêm chamando de "geração perdida"
ou "geração desperdiçada".
Nos países que estão sofrendo duramente com a crise, os
índices de desemprego entre os jovens da faixa dos 20 aos 30 anos são
bem maiores do que os da população em geral. A situação é
particularmente grave para os que têm até 24 anos e procuram o primeiro
emprego, mas jovens com alguma experiência que saíram do mercado por um
ou outro motivo também estão com dificuldade para voltar.
Na Espanha e na Grécia, onde a situação é mais grave, o
desemprego entre jovens até 24 anos ronda os 50%. Em 2006, os índices
nesses países eram de 18% e 25% respectivamente, segundo a OCDE.
Em Portugal, Irlanda e Itália, o índice de desemprego
juvenil ronda os 30% e Na França e Grã-Bretanha já ultrapassa os 20%,
mais que o dobro da média geral.
Nos Estados Unidos, desde 2006, a porcentagem de jovens desempregados subiu de 10% para 17% segundo a OCDE.
É claro que a crise atinge a todos, mas os jovens estão
sofrendo mais porque, ao detectar um desaquecimento econômico, o
primeiro que as empresas fazem é interromper as contratações, como
explicaram à BBC Brasil Stefano Scarpetta, vice-diretor de Emprego,
Trabalho e Assuntos Sociais da OECD e Richard Jackman, especialista em
mercado de trabalho da London School of Economics and Political Science
(LSE).
Uma segunda medida comum é despedir os trabalhadores que
estão em contratos temporários - em geral, também profissionais na faixa
dos 20 a 30 anos.
Por trás das estatísticas, há histórias de talentos
desperdiçados e expectativas que não se cumpriram - milhares de jovens
que foram levados a acreditar que, se estudassem mais e se preparassem
melhor para o mercado de trabalho, teriam um futuro profissional
garantido e uma posição social confortável.
Agora, com uma coleção de diplomas na parede, não conseguem sair da casa dos pais.
Exemplos
A espanhola Sonia Andolz-Rodríguez, por exemplo, fala
seis idiomas - espanhol, catalão, inglês, alemão, italiano e árabe -,
tem duas graduações (uma em Direito, outra em Ciências Políticas e
Relações Internacionais) e dois mestrados da renomada Universidade de
Oxford (Antropologia Social e Estudos sobre Refugiados e Migração
Forçada). Também tem alguns anos de experiência profissional - ela só
parou de trabalhar para estudar na Inglaterra.
De volta à Espanha, ela está procurando trabalho há 13
meses, desde que terminou o mestrado. "Simplesmente, não são abertos
novos postos em ONGs e instituições da minha área de atuação", disse à
BBC Brasil.
"Já morei oito anos fora do meu país e não queria ir
embora de novo porque sei que é nesse momento de crise que ele mais
precisaria de profissionais bem preparados. Mas a verdade é que, do
jeito que a situação está, não há como ficar aqui."
Para Ava Givian, que vive em Londres e, desde que se
formou em Criminologia, há sete meses, já enviou de 800 a 900
currículos, há um descaso com o problema por parte das autoridades
políticas do país. "É frustrante. Estou bastante deprimida por ter
estudado tanto para nada", diz, após contar que a irmã, socióloga,
chegou a trabalhar em uma rede de supermercados.
Subemprego e emigração
Sem trabalho, alguns jovens fazem uma peregrinação por
estágios não-remunerados - muitas vezes tão concorridos como trabalhos
pagos. Outros, se dedicam a "sub-empregos".
Na Espanha, é cada vez mais comum encontrar jovens que
omitem qualificações no currículo para conseguir empregos como
vendedores por exemplo. Na Inglaterra, o número de jovens com formação
universitária empregados como garçom, funcionários de supermercados e
outros trabalhos não qualificados aumentou 6% no último ano segundo a
Higher Education Careers Service Unit.
Um caso de grande repercussão foi o da jovem Cait Reilly,
formada em geologia na Universidade de Birmingham. Cait entrou com um
processo contra o governo depois que, dentro de um esquema introduzido
sob a administração David Cameron, foi obrigada a trabalhar arrumando as
prateleiras de uma loja Poundland - que vende diversos produtos por uma
libra (R$ 3,2) - para continuar a receber seu seguro-desemprego.
Como as empresas não precisam pagar pelos trabalhadores
recrutados nesse esquema, a defesa da jovem alegava que ele era ilegal e
contraproducente, desestimulando contratações. Além disso, Cait dizia
que a obrigação lhe forçou a largar um trabalho voluntário em um museu,
mais relevante para a carreira que queria seguir.
Seus argumentos foram julgados improcedentes pela
Justiça, mas a contenda dá a medida das dificuldades que os jovens de
países ricos estão tendo de enfrentar para se inserir no mercado.
Um grupo importante pensa em emigrar, como fizeram seus
ancestrais menos qualificados no passado. Uma pesquisa da Organização
Internacional de Migrações (OIM) divulgada neste mês, por exemplo,
revelou que 107 mil europeus deixaram o continente após a eclosão da
crise em direção, principalmente, à países latino-americanos, como o
Brasil.
Até o primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho,
sugeriu que os jovens de seu país emigrassem para conseguir mais
oportunidades de trabalho - abrindo uma grande polêmica em seu país.
Consequências
Para especialistas, as altas dos índices de desemprego
entre os jovens - e em especial o crescimento das taxas de desemprego de
longo prazo (mais de um ano) - podem ter efeitos bastante graves e
duradouros para a economia e a sociedade dos países ricos.
"Pesquisas indicam que jovens que demoram para se inserir
no mercado de trabalho também tardam mais para se desenvolver
profissionalmente e, em geral, têm salários mais baixos que aqueles que
encontraram oportunidades logo após a faculdade", explicou Scarpetta.
Quanto mais tempo a pessoa ficou desempregada, maior esse
efeito "cicatriz", descrito por economistas como Paul Gregg, da
Universidade de Bath.
Jackman lembra que o desemprego também tende a agravar
problemas de saúde pública - com o aumento de casos de depressão e
ansiedade.
"Além disso, embora seja difícil de calcular, há um custo
coletivo envolvido no desperdício desses talentos, habilidades e
qualificações, cuja criação envolveu o investimento de recursos",
completa Scarpetta. "Toda a sociedade perde."
Fonte: http://economia.ig.com.br/criseeconomica/2012-10-15/crise-cria-geracao-perdida-em-paises-ricos.html