Regulação
O castigo dos grandes
CVM e Ministério Público apertam o cerco a executivos e investidores que realizam irregularidades – mas impunidade ainda reina
07/12/10
Fonte: veja.com.br
São raros os casos de executivos que cometem irregularidades que vão para a cadeia (Comstock)
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) anunciou no último mês uma multa milionária aplicada a três investidores da Distribuidora Ipiranga. Eles foram condenados a pagar um total de 2,015 milhões de reais por terem utilizado informações privilegiadas para comprar e vender ações da companhia antes de sua aquisição pela Petrobras. Em setembro, outro acusado do mesmo caso conseguiu se livrar da multa. Pedro Caldas Pereira, o ex-gerente executivo da BR Distribuidora, firmou um acordo com a CVM e o Ministério Público Federal, encerrando a investigação. Na ocasião, ele havia obtido lucro de 120 mil reais com operações na Bolsa de Valores. Com o acordo, teve de pagar três vezes este montante. Outra multa noticiada em 1º de dezembro, em valor bem inferior, foi aplicada a dois auditores da KPMG, Charles Krieck e José Luiz Ribeiro de Carvalho, que deverão pagar, cada um, 100 mil reais à autarquia. Ambos foram acusados de omissão de ressalvas no demonstrativo financeiro da Perdigão quando houve a compra da empresa Eleva, em 2008.
O dois casos são distintos, porém emblemáticos. Denotam que o cerco parece estar se fechando aos investidores que cometem ‘derrapadas’ no mercado. Com novos escândalos pipocando no mundo empresarial, como o do banco Panamericano, a CVM (ao que parece) terá muito trabalho pela frente. “É esperado que, com o desenvolvimento do mercado de capitais, o número de casos de conduta indevida aumente. Por isso criamos uma série de medidas para priorizar a atuação sancionadora da autarquia”, afirma Alexandre Pinheiro dos Santos, procurador-chefe da CVM. Entre elas está a criação da Superintendência de Processos Sancionadores e da Procuradoria Federal Especializada, que surgiram após seguidos problemas em operações com derivativos no final de 2008. A Comissão também tem tentado diminuir o tempo entre a detecção de irregularidades e a conclusão do julgamento e aplicação da multa – de quatro anos, em 2008, para um prazo mínimo de dez meses atualmente. “Apesar de termos reduzido o tempo, não miramos o prazo como fim. O importante é fazer as coisas que são necessárias”, afirma Santos.
Número de punições aumenta – As punições por irregularidades no mercado, além de envolverem multas pesadas, também podem extinguir a carreira de executivos, de acordo com a instrução da CVM nº 358/02. A grande maioria dos casos de aplicabilidade desta pena tem se verificado entre investidores e gestores de fundos. Muito mais raro é ver este tipo de punição contra diretores de uma companhia. O episódio mais famoso ocorreu em 2004, quando dois ex-diretores do Banco Nacional, Marcos Catão de Magalhães Pinto e Arnoldo Souza de Oliveira, pegaram pena máxima de 20 anos de inabilitação para o exercício do cargo de administrador ou para atuar como conselheiro fiscal de companhias abertas.
Nos escândalos da Sadia e da Aracruz – que, dois anos atrás, sofreram perdas financeiras irreparáveis em operações com derivativos –, os diretores envolvidos ainda estão sendo investigados. No último mês, tentaram selar um termo de compromisso com a CVM – isto é, um acordo que eliminaria a acusação por meio do pagamento de um valor milionário. O pedido foi negado.
Estes casos também foram os primeiros no país em que as próprias empresas entraram com ações contra seus administradores. “A consciência em relação à governança está mudando e as pessoas e empresas estão começando a reconhecer seu direito de reclamar”, afirma Richard Blanchet, vice-coordenador da comissão jurídica do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Isso significa que os investidores que se sentirem lesados pela conduta de gestores de uma companhia aberta podem entrar com ações específicas contra estes profissionais. Caso haja suspeita de crime, pode-se ainda recorrer a ações cíveis. “Nos Estados Unidos é recorrente que investidores entrem com ações contra todo o conselho de administração de uma empresa, ou seu presidente”, afirma Blanchet.
A CVM também tem sido mais austera nos casos de ‘insider trading’, o uso de informação privilegiada em operações no mercado. No caso da Ipiranga, um dos acusados, o investidor Franklin Lehner, foi multado em 1,3 milhão de reais e entrará com recurso na Justiça para recorrer da penalidade. “Há de se ter cuidado com as condenações impostas a ‘insider trading’, já que a maioria delas é fundada em presunção, e não em prova. Provas desse fato são de difícil materialização”, afirma o advogado Fernando Orotavo Neto, especialista em mercado de capitais.
Impunidade no Brasil e no mundo – Apesar de a legislação brasileira prever punições e parecer efetiva, ainda perdura entre a população um profundo sentimento de impunidade em relação a crimes financeiros. À CVM não cabe o papel de abrir processos criminais. Tal tarefa é atribuída à Polícia Federal e ao Ministério Público, que muitas vezes trabalham em conjunto com a autarquia nas investigações. Além disso, a CVM não tem o poder de regular ou investigar empresas fechadas, apenas companhias abertas ou sociedades anônimas.
O banqueiro Edemar Cid Ferreira – acusado de quebrar o Banco Santos, com um rombo de 2,9 bilhões de dólares – foi condenado em 2006 a 21 anos de reclusão por crime de formação de quadrilha e gestão fraudulenta. Ferreira chegou a ficar 89 dias preso, mas foi solto graças a um ‘habeas corpus’ emitido pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. Seus bens estão todos congelados e foram incluídos na massa falida da instituição. Já os executivos da construtora Camargo Correa, presos em 2009 na operação Castelo de Areia, da Polícia Federal, acusados de câmbio ilegal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro, ficaram apenas quatro dias presos. Em setembro deste ano, quatro executivos do banco Banrisul foram parar na cadeia sob a acusação de operar um esquema de desvio de verbas. A prisão durou três dias. “A legislação é forte e dura. O que tem que mudar é a aplicabilidade da lei”, pondera Blanchet, do IBGC.
Nos Estados Unidos, apesar de haver algum histórico de punição, sobretudo após o escândalo da empresa de energia Enron e a prisão de seus executivos, a prática não é muito usual. A crise econômica deflagrou uma série de acusações contra banqueiros e executivos – sendo a prisão do gestor Bernard Madoff a única que, de fato, foi concretizada em Wall Street. Acusado de gerenciar um esquema de pirâmide de mais de 50 bilhões de dólares, Madoff confessou o crime e foi condenado a 150 anos de prisão.
Na Europa, em março deste ano, três altos executivos da multinacional francesa de infraestrutura Alstom foram presos no Reino Unido. A acusação era de fraude. Um mês depois, estavam soltos. Na França, a propósito, os casos de prisão são escassos. O mais recente foi a condenação do ‘trader’ Jerôme Kerviel, que executou operações ilegais no mercado financeiro e criou um rombo de 5 bilhões de euros no banco Société Générale. Em outubro deste ano, a Justiça do país atribuiu-lhe a pena de três anos de prisão. O recente escândalo envolvendo a gigante L’Oreal ainda não gerou nenhum tipo de acusação formal da parte do órgão regulador francês, a Autorité Monetaire Française (AMF).