A presidente Dilma Rousseff pretende dar em 2012 uma “atenção especial” à
África na política externa, como disse, em dezembro, em café da manhã
com jornalistas. Em seu primeiro ano de mandato, foi só uma vez ao
continente, em outubro, para visitar África do Sul, Moçambique e Angola.
E recebeu apenas dois líderes africanos no país, nenhum no Palácio do
Planalto - os presidentes de Guiné e Cabo Verde estiveram na Bahia, em
novembro, para as comemorações do Ano Internacional dos
Afrodescententes.
A relação do Brasil com a África é ilustrativa
de algumas mudanças na política externa na gestão Dilma. O antecessor,
Luiz Inácio Lula da Silva, tinha contatos mais frequentes e intensos com
líderes africanos, inclusive com aqueles cuja longevidade no poder
sempre custou ao ex-presidente críticas de cumplicidade com ditadores. E
gostava, em seus discursos, de enfatizar essa proximidade com o
continente a quem o Brasil devia “desculpas” pela escravidão.
Seja
por uma visão mais progressista, seja por outra conservadora, é
inegável, para observadores da política externa brasileira, que foram
mudanças importantes, estas verificadas na passagem do bastão
diplomático da dupla Lula-Celso Amorim (ex-ministro das Relações
Exteriores) para Dilma-Antonio Patriota (atual ministro).
Segundo
Renato Baumann, ex-diretor do Escritório da Comissão Econômica para
América Latina e Caribe (Cepal) no Brasil e economista do Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), sem ter a mesma força política
individual de Lula, Dilma estaria dando mais racionalidade à agenda
diplomática. “Ele [Lula] fazia uma visita à África, por exemplo,
prometia alguma coisa, e depois o governo corria atrás para concretizar.
Não havia muito planejamento”, explica.
Dilma, ao contrário,
estaria se baseando mais em análises e planejamento para dar início, por
exemplo, à promoção de políticas de complementariedade produtiva com
países vizinhos, como a permissão para a Petrobras subcontratar serviços
na Argentina e Uruguai. E não hesitou em adotar medidas comerciais
protecionistas, por causa da crise econômica global que produziu uma
"guerra cambial".
Como planeja mais se expõe menos, Dilma viajou
bem menos do que o antecessor, outra mudança perceptível. Desde a posse,
visitou, oficialmente, 15 países diferentes. O ex-presidente viajara
para 23 países no primeiro ano do primeiro mandato e para 30, no
primeiro ano do segundo.
Com isso, Dilma teve menos chances de
fazer algo que o ex-presidente adorava. Aproveitar tribunas
internacionais para oferecer aquilo que eleitores mais à esquerda
sentiam falta dentro do Brasil, com discursos críticos contra o mundo
rico, como Lula fez ao culpar “os brancos de olhos azuis” pela crise
financeira internacional de 2008.
A grande oportunidade que a
presidenta teve para se posicionar de modo mais político em sua agenda
internacional em 2011 foi em setembro, ao abrir pela primeira vez a
Assembléia Geral das Nações Unidas, papel que sempre cabe ao Brasil.
Defendeu, por exemplo, a reforma do Conselho de Segurança e o
reconhecimento da Palestina.
Atitude "convencional"
O
ritmo de viagens internacionais de Dilma assemelha-se ao visto com o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que percorrera 14 países no
primeiro ano do seu primeiro mandato, e 13, no primeiro do segundo
mandato.
Para o professor de Economia Política Internacional da
Universidade de Brasília (UnB) Carlos Pio, que se classifica como
liberal, o que o governo Dilma fez foi retomar uma postura diplomática
mais convencional, como era tradição no Itamaraty. “O Lula foi padrão de
anormalidade na política externa brasileira. Ele era tão exagerado que
chegava a ser caricato. Dilma mantém o mesmo rumo, mas abaixou o tom”,
afirma.
Porque não vê mudança de rumo, Pio faz críticas a
posturas adotadas pelo Brasil no primeiro ano de Dilma. Para ele, o país
continuaria sendo pouco crítico com líderes de países sem muito
respeito pelos direitos humanos. Teria faltado condenar o governo da
Líbia durante a Primavera Árabe e havido demora no reconhecimento do
governo de Honduras, por exemplo.
O analista também contesta a
aposta brasileira em relações econômicas e formação de blocos com países
em desenvolvimento, como a Comunidade dos Estados Latinoamericanos e
Caribenhos (Celac), que não passaria de “jogada de marketing”.
A
Celac, que conta com 33 países, teve a semente lançada em 2010, mas só
foi criada formalmente em dezembro, em reunião, na Venezuela, de chefes
de Estado e de governo. No café da manhã com jornalistas, Dilma destacou
a Celac como um acontecimento “muito importante” da política externa em
2011, embora, para ela, não tenha tido o reconhecimento devido. A
Celac, disse, demonstra a “consciência elevada da região” sobre seu
papel “geopolítico e econômico” no mundo hoje.
O grupo reúne
todos os países das Américas, exceto Estados Unidos e Canadá. É, sem
dúvida, um bloco que ajuda a minar o poder político norte-americano na
região. E, por isso, para analistas como a visão mais conservadora como
Carlos Pio, seria um gesto de antiamericanismo fora de moda.
Apesar
de o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ter sido um dos 14
chefes de estado ou governo recebidos por Dilma no Brasil em 2011, o
Brasil, tanto para Baumann quanto para Pio, preservou, com Dilma,
relações quase protocolares com aquele país. Mas talvez devesse repensar
a atitude, pelas potenciais vantagens econômicas.
“Os Estados
Unidos ainda são a principal fronteira tecnológica do mundo. É razoável
pensar que uma possível aproximação do Brasil com o país possa nos
trazer benefícios”, afirma Bauman. “Se o Brasil quer vender manufaturas,
e as vende principalmente para os Estados Unidos, porque não aprofundar
essa relação, ao invés de insistir apenas no comércio com países como
China e Índia?”, diz Pio.
A pauta exportadora brasileira tem
aumentado ano a ano a dependência da China, como se viu no relatório
sobre o desempenho comercial do país em 2011, divulgado na última
segunda-feira (2). O Brasil vende cada vez mais produtos primários
(agropecuários e extrativistas) para lá.
No café com os
jornalistas, Dilma deu a entender que percebe o aumento da dependência
da China, não apenas economicamente, mas também politicamente, e que
trabalharia para equilibrar um pouco a situação. Apesar de ter sido um
dos 15 países que Dilma visitou em 2011. "O Brasil tem que ter uma visão
multipolar, o que não significa abandonar os BRICS", disse a
presidente, referindo-se ao grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China
e África do Sul.
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19344