28.9.11

Keynes no mesmo caminho de Marx

Na manhã da quarta-feira 17, CartaCapital reuniu Delfim Netto e Luiz Gonzaga Belluzzo para um debate sobre a crise financeira mundial e os impactos no Brasil. Parte da conversa é publicada na edição especial de aniversário que chega às bancas na sexta-feira 19. No site, a íntegra será publicada em três partes.

Confira abaixo o primeiro trecho da conversa, em que são abordadas questões como os erros em relação à crise de 2008, a desregulamentação do sistema financeiro e a releitura dos clássicos da economia nos tempos atuais. Veja também as partes 2 (‘Fim da União Europeia é tragédia política’) e 3 (‘Problema cambial hoje é mais difícil’) da conversa.


Luiz Gonzaga Belluzzo: Seria bom ter como ponto de partida o seu artigo de hoje na Folha. Você fala do ambiente político criado quando são tomadas as decisões econômicas e conclui que, na verdade, vivemos no mundo, ou ao menos nos Estados Unidos, mais uma questão de descoordenação política e miopia do que propriamente econômica.

Delfim Netto: Os Estados Unidos introduziram uma disfuncionalidade no sistema que não tem como decidir. O que acontece? Não adianta dar incentivos, que são necessários, mas insuficientes, se o sujeito que recebe os incentivos não acredita neles. Se o pessoal da produção não acredita que terá demanda lá na frente e se o pessoal do trabalho não se vê empregado no futuro. Nestes casos, o sujeito recebe um benefício e senta sobre ele, que é o que se passa neste momento. As empresas americanas têm um trilhão e meio de dólares em caixa e não investem…

LGB: …E os bancos têm um trilhão e quatrocentos de reservas e não emprestam.

DN: Por quê? Porque falta confiança. O circuito econômico foi interrompido e está difícil fazer pegar outra vez. A sorte do Brasil foi ter conseguido engrenar com maior rapidez, mas, agora que estamos aqui nós dois, podemos contar até alguns fatos interessantes. Lembra daquela reunião que o Lula providenciou na segunda-feira trágica após a quebra do Lehman Brothers. Estávamos eu, você, o Guido, o Lima, do Banco do Brasil, o Meirelles… Quem mais?

LGB: Eram estes. Foi na sede do Banco do Brasil.

DN: Naquele instante foi decidido que era preciso baixar a taxa de juros… Mas o governo depois afrouxou.

LGB: Foi decidido com a anuência do Meirelles.

O economista Antônio Delfim Netto, colunista de CartaCapital Foto: Masao Goto Filho

DN: Juntamente com o Meirelles. Mas até entendo. Ele andava muito assustado com o que aconteceu com o pessoal que tinha feito o Proer. Estavam todos com os bens interditados. Ele, na verdade, não se sentia em condições de fazer o que tinha de ser feito. Para mim, Belluzzo, está claro que poderíamos ter reduzido os efeitos da crise no Brasil a quase nada. O País tinha musculatura para substituir o problema externo de financiamento, pois sabíamos que iria durar pouco. Se as medidas tivessem sido tomadas, hoje a gente ia discutir se a taxa de juros seria de 6,75% ou 7%, não 12,5%. Isso mostra como são falsas todas as teorias para explicar porque temos essa taxa de juros teratológica. Ela é resultado de equívocos que acumulamos ao longo do tempo.

LGB: Isso nos leva a questionar a forma como é exercida a independência do Banco Central. Você vive a dizer que é preciso estatizar o BC.

DN: Acho que está em processo agora (risos).

LGB: Quando se lê sobre as reuniões de diretores do Banco Central com os economistas de mercados, fica clara a capacidade destes economistas, não tenho nada contra eles, de submeter o BC a um consenso construído a partir de uma certa perspectiva, uma certa visão das coisas. Na verdade, no mundo todo, os bancos centrais são capturados pelos mercados financeiros. Esse é um dos componentes da crise.

Fonte:http://www.cartacapital.com.br/economia/%e2%80%98keynes-sofre-o-mesmo-destino-de-marx%e2%80%99

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