Valor Economico (SP)
Política monetária: Para analistas, estoque de empréstimos fortalece a ação do Banco Central
Angela Bittencourt, de São Paulo
Estoque de crédito parrudo, equivalente a 45% do PIB e sem precedentes na história do Brasil, torna o aperto monetário mais eficiente, mas desautoriza expectativa de súbita mudança na condução da política monetária. Ajustes da taxa de juro básico, a Selic, produzem impacto nesse amplo estoque de empréstimos, mas não do dia para a noite.
"Em algum momento, a alta do juro básico bate no custo do crédito, freando expectativas sobre atividade. Os juros cobrados de tomadores podem subir, os prazos oferecidos podem contrair ou a seletividade na concessão aumentar. O canal do crédito é importantíssimo para desaquecer a demanda e o volume crescente de crédito em proporção do PIB age em favor da política monetária, mas apenas com o tempo é possível observar os efeitos do aumento da Selic no crédito bancário e na demanda", explica Tatiana Pinheiro, economista do Banco Santander.
A economista lembra que há pouco tempo o estoque de crédito em relação ao PIB era muito baixo no Brasil com a política monetária tendo pouco efeito sobre ela. "Mas com o aumento das operações, este canal de transmissão tornou-se mais efetivo. Hoje, a relação crédito/PIB está se aproximando do que é saudável, comparável a países de estabilidade econômica prolongada. O montante equivalente a 45% do PIB é comparável, sim, ao resto do mundo. A crise recente mostrou que o mundo extrapolou com bolhas de crédito. Não é o caso do Brasil", comenta Tatiana.
Ela pondera que , a despeito de uma parte do crédito total estar atrelada a taxas diferentes da Selic - caso dos créditos concedidos pelo BNDES à Taxa de Juro de Longo Prazo por exemplo - a robustez da relação crédito/PIB faz com que o crédito, como um canal importante de transmissão de política monetária, tenha ficado mais forte no Brasil.
Octávio de Barros, diretor do Departamento Econômico do Bradesco, avalia que o avanço consistente do crédito no Brasil, passando de 24,6% do PIB em 2003 para 45,3% em maio deste ano, não permite ter dúvida de que também aumentou a importância do crédito como canal de transmissão de política monetária. Mas, a despeito dessa evolução, diz Barros, não é possível considerar o mercado de crédito brasileiro maduro. Ele ainda está em fase de expansão.
"Nesse momento de transição, de um mercado imaturo para um maduro, a eficiência do canal de crédito como meio de transmissão de política monetária tende a apresentar alguns ruídos, seja pela participação forte do crédito direcionado, pela bancarização ou pela concorrência mais acirrada entre as instituições. Contudo, mesmo que a defasagem na transmissão seja superior a de outros mercados, ela existe", comenta.
Barros nota que no balanço de crédito com dados de maio, divulgado pelo Banco Central, a taxa de juros ao tomador final de empréstimos concedidos com com recursos livres subiu frente ao mês anterior, sendo que a alta ocorreu com os spreads estáveis. Portanto, a elevação foi coerente com o ciclo de aperto da política monetária.
José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, pondera que deve ser analisada com cuidado a possibilidade de alta da Selic ser potencializada pelo amplo estoque de crédito.
"O crédito direcionado, por sua natureza e funding, não tem a mesma reação do crédito livre aos ajustes da Selic", diz. "O juro básico age mais sobre o crédito ao consumidor do que, por exemplo, o crédito concedido pelo BNDES ou à agricultura ou à habitação. Com a participação de cerca de 30% de crédito direcionado no estoque total, o crédito não é tão sensível à Selic. Se o estoque fosse 100% de livre aplicação, aí sim os ajustes da Selic teriam um impacto efetivo".
O economista do
Fator entende que a sensibilidade do crédito deve diminuir, considerando a perspectiva de expansão de investimentos que estão em curso e programas como "Minha Casa Minha Vida" - parte deles financiados nas carteiras direcionadas.
"A Selic mais alta vai provocar contração no crédito, mas na parcela livre e ela tende, portanto, a diminuir pelo efeito da política monetária. A relevância dessa mudança (de perfil de estoque de crédito e da efetividade da política monetária nesse aspecto) dependerá do nível de inflação e do juro praticado a cada momento. O nível de Selic a que o Brasil se acostumou mostrou, há pouco, que um ciclo de aperto monetário não poderia começar com alta de 0,25 ponto. Exatamente por isso fomos os primeiros a falar de que o ciclo de alta começaria com 0,75% e fomos muito criticados por isso", comenta Gonçalves.
Nos modelos econométricos, o canal de crédito é contemplado especialmente através das variáveis de atividade, explica Octávio de Barros. Tatiana Pinheiro, do Santander, sintetiza que os modelos consideram o que aconteceu com a atividade, o que se esperava na evolução do PIB, o comportamento da inflação frente à meta do governo, a inflação esperada e, ainda, uma variável do setor externo.
Giovanna Siniscalchi, economista do Banco Itaú Unibanco, acrescenta que o crédito entra nos modelos econométricos de forma indireta. "Dimensionamos o PIB e, quando se leva em conta períodos mais curtos de tempo, de dois anos para cá por exemplo, o impacto do crédito é maior. Quanto maior o estoque de crédito, maior o impacto da taxa de juro".
A economista do Itaú Unibanco avalia que, há quatro anos, o ajuste da taxa Selic precisaria ser maior para trazer a inflação para o centro da meta definida pelo governo, exatamente porque o efeito do juro no crédito era menor. "Como a relação crédito/PIB aumentou, supomos que o ajuste do juro pode ser menor", calcula.
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